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29 de dezembro de 2006

Adeus Às Armas?



Fui, na infância, um assassino sanguinário.
Acompanhado de meus queridos amigos nas trincheiras de trás de casa (valas de esgoto que felizmente demoraram a serem concluídas), matei centenas, milhares de soldados inimigos com armas que disparavam barulhentos tiros de espoleta. Quando as armas não eram suficientes, granadas de barro completavam o serviço sujo - literalmente.
Hoje, dublê de “militar” e “cowboy” aposentado, ando muito sossegado. Ainda perco a paciência no trânsito (muito mais do que gostaria), ainda reclamo de filas demoradas, tenho um ou outro entrevero por qualquer banal motivo. Mas nunca me passou pela cabeça voltar a empunhar uma arma.
Daí o meu lamento quando vejo pais horrorizados com a possibilidade politicamente incorreta de seus filhos (do sexo masculino, principalmente) ganharem armas de presente de Natal*.
Tudo bem: bolas, carrinhos, bicicletas, etc. também dão vazão à energia agressiva natural dos meninos e meninas. No entanto - sei que muitos vão discordar - nada se comparava ao inocente prazer de “estourar alguns miolos”.
Obs.: claro que tudo depende do contexto. Também me causa arrepios ver uma arma de brinquedo nas mãos de crianças provenientes de lares desajustados ou em classes sociais (ou cidades) onde armas sejam um grande problema.
* No Natal passado cheguei a pensar em levar uma metralhadora pro meu sobrinho, contrabandeada dentro de um cavalinho de pelúcia. Fui logo rechaçado pelos adultos de verdade.

26 de dezembro de 2006

Espadas


Dois artigos “científicos” do British Medical Journal online chamaram a atenção na semana passada:
No primeiro deles, a comparação entre médicos clínicos e cirurgiões. Segundo o artigo, cirurgiões costumam ser mais altos e bonitos do que os clínicos gerais (isso mesmo: deram-se ao trabalho!). Perdem, no entanto, na comparação com os astros de Hollywood que interpretam médicos, o feioso George Clooney entre eles. (Epa! Espera aí! George Clooney interpreta um pediatra!).
Minha resposta é a mesma que David Letterman costuma dar:
-Alguém lá lembrou de ver as minhas fotos?

O segundo estudo, mais “sério”, enfoca os perigos da profissão de engolidor de espada.
As lesões vão desde leves inflamações de garganta até, claro, perfurações de esôfago.
Isso lá é meio de ganhar a vida? Não há nada melhor pra fazer?
Encantador de serpentes, por exemplo...

22 de dezembro de 2006

De Olho no Fundo


Quando é que a dor de cabeça pode ser causada por coisas mais sérias (tumor cerebral ou sangramento dentro do crânio, por exemplo)?
Algumas dicas são importantes para se pensar em problemas mais graves (lembrando que são causas muito mais raras de dor):
• dores que aparecem no meio da noite (durante o sono) ou ao acordar, pela manhã
• dor sentida como “profunda” (e não pulsátil)
• dor acompanhada de outros sintomas como alterações visuais (visão dupla, por exemplo – diferente da enxaqueca, onde os sintomas visuais são pontos brilhantes ou percepção alterada do tamanho dos objetos*) ou convulsões ou tontura freqüente ou rigidez de nuca
• dores muito freqüentes ou de intensidade cada vez maior
• dores de início muito abrupto (grande intensidade já no primeiro minuto de aparecimento) fazem pensar em sangramento intracraniano
Em casos suspeitos como os acima descritos, uma visita ao oftalmologista é importante. Não para detectar problemas de refração (necessidade de óculos, por exemplo, uma causa discutível de dores de cabeça), mas para fazer avaliação do fundo de olho (exame que se altera frequentemente quando há uma destas causas mais sérias para a dor).
*algumas vezes referida como “síndrome da Alice no País das Maravilhas”

19 de dezembro de 2006

Bolas Fora


Imagine se uma daquelas máquinas que lançam bolas de tênis para serem rebatidas pelo jogador do outro lado da quadra de repente emperrasse e começasse a jogar dezenas de bolas, todas ao mesmo tempo.
Segundo uma nova pesquisa, é assim que crianças com dislexia (uma freqüente causa de dificuldade escolar) se sentem.
Um fonema apenas deveria ser ouvido e interpretado (uma bola apenas deveria ser rebatida). Mas a falta de “filtro” cerebral adequado (neurônios chamados GABAérgicos, que “apagam” informações desnecessárias como outras conversas ou ruídos do ambiente, bem como os próprios pensamentos) faz com que estas crianças misturem informações. Veja exemplos de textos escritos por crianças disléxicas (principalmente n°.s 5 e 6).
Segundo os defensores desta novíssima teoria, justamente por isto estas crianças devem ser treinadas a ler e escrever em meio à bagunça, para desenvolverem a capacidade de filtrar as informações de forma adequada. Mas, provavelmente, se a teoria se provar correta, medicações também poderão dar uma forcinha, principalmente em fases iniciais do aprendizado.

15 de dezembro de 2006

Love is Dangerous


E a gente acha que corre grandes riscos quando corteja um novo amor...
Cientistas da Universidade da Flórida descobriram que os grilos, quando cantam para atrair as fêmeas a que supostamente teriam direito, atraem também um outro inseto com a sua voz melodiosa: as moscas. Estas, empolgadas com a cantoria, depositam seus ovinhos na carcaça do cantador e, após algum tempo, novas mosquinhas emergem de dentro da vítima, agora já morta, de uma maneira muito parecida com aquela figura conhecida do filme “Alien” (comparação dos próprios zoólogos).
Grilos: aconselho fortemente o celibato.

Nas Medidas, o Possível



A grande maioria das pessoas (senão todas) que nos procura para tratar de crianças obesas imagina que vamos – em tom professoral – dizer para elas, as crianças:
-Coma menos, viu?
-Exercite-se mais, viu?
Claro que todos sabem que alimentação mais equilibrada e exercícios físicos são importantes para evitar o excesso de peso. Mas, para ouvirem isso, não precisam ir ao médico! (ou precisam?)
O que nós devemos fazer é analisar cada caso, cada história do ganho de peso de forma individualizada pois – principalmente na infância – os obesos não são (como na piadinha preconceituosa dos japoneses) “todos iguais”!
A grande maioria das pessoas (pais de obesos, inclusive) olha para as pessoas com excesso de peso com cara de “veja, é preguiçoso!”, ou então: “não tem força de vontade!”.
Ninguém escolhe engordar demais (pelo menos não de forma consciente), ninguém escolhe ter todo um complexo metabolismo que conspira para uma economia de energia, ninguém escolhe ter aversão a exercícios físicos. Assim também, ninguém escolheria sofrer enormes preconceitos por toda a vida por ser obeso.
Há casos de obesidade em que, “feitas as contas”, não nos sobra muito com o que nos preocuparmos. Há outros, no entanto (e talvez não sejam tão poucos), para os quais a Medicina ainda tem muito pouco a oferecer. A boa notícia é que ela, devagarzinho, vai chegar lá.
Até lá, façamos o que é possível fazer. Um grande primeiro passo é enxergar os obesos com olhos menos preconceituosos.
Ou você, quando avista uma pessoa calva na rua pensa com desprezo: “Esse aí, ó, não gosta de cabelo!”

12 de dezembro de 2006

Sólido Patrimônio


Stuart Warden e colaboradores aventaram uma hipótese: a de que a massa óssea se cria forte na infância com exercícios físicos.
Para testá-la, dividiram dois grupos de ratos “crianças” (do nascimento até sete semanas de vida) em sedentários e ativos (nestes últimos, o exercício era diário durante todo o período “infantil”). A partir daí, os dois grupos foram forçados ao sedentarismo.
Conclusão: mesmo no fim da vida (cerca de 92 semanas) os ratos que se exercitaram na “infância” apresentaram ossos evidentemente mais fortes e sólidos, mesmo que na idade adulta tenham parado de se exercitar.
O recado, então, é de que, embora o exercício seja recomendado por toda a vida, crianças devem ser estimuladas para atividades que envolvam o impacto do próprio peso como saltar, basquete, pular corda, etc. para que se mantenham com ossos saudáveis até a velhice.

8 de dezembro de 2006

Deixa o Pinto em Paz!


Mal o menino nasce, as mães já querem saber se há necessidade de se fazer “massagem” para a fimose.
Calma! A fimose (recobrimento da glande, a cabeça do pênis, pelo prepúcio – a pele desta região) é a regra na maioria das crianças pequenas.
Com o passar do tempo há uma natural abertura desta pele. Não há, então, necessidade de se fazer massagem. Pelo menos nas crianças pequenas.
O prepúcio serve, além disso, para proteger a glande da ação química da urina e da ação mecânica das fraldas. Apenas nos casos em que há dificuldade de passagem da urina (ausência de jato urinário normal) ou inflamações freqüentes por dentro do prepúcio (as postites) é que se cogita acelerar a abertura que ocorrerá de forma natural (possivelmente com cirurgia da fimose).
Cirurgias que são, portanto, também desnecessárias numa fase muito precoce (costuma-se brincar que é a cirurgia de fimose é o ganha-pão de muito urologista; alguns deles, por conta desta cirurgia, já abriram grandes cadeias de panificadoras).

5 de dezembro de 2006

Última Que Morre


Há uma música do Simply Red que diz:
“If you don’t know me by now, you’ll never know me”
(Se você não me conheceu até agora, você nunca irá me conhecer)
Odeio ser pessimista, mas a letra da música parece se aplicar à busca incessante pela vacina contra a AIDS. Há cerca de um quarto de século, cientistas do mundo inteiro têm se debatido para descobrir como minar as várias estratégias de sobrevivência deste vírus elusivo.
Uma das grandes dificuldades deve-se à enorme capacidade de multiplicação do HIV. Multiplicando-se bastante, cria condições de se modificar bastante (as chamadas mutações genéticas ocorrem com grande freqüência, dificultando a memória imunológica). Além disso, infecta vários tipos de células diferentes (dentre elas, os próprios linfócitos T, de longa duração, responsáveis pelo combate ao vírus). Outro grande problema é a incorporação definitiva ao material genético das células infectadas (é como se o vírus se tornasse uma parte da pessoa portadora).
Walensky e colaboradores, num artigo recente do The Journal of Infectious Diseases calcularam que cerca de 2,8 milhões de anos de vidas foram poupados desde 1989 até hoje, com os tratamentos disponíveis para a infecção. Este talvez seja o motivo pelo qual muitas pessoas atualmente acreditem que a AIDS tenha deixado de ser um grande problema.
Acredite, continua sendo. Nada, pelo menos na próxima década, será ainda mais importante do que a velha prevenção.

Jô Soares uma vez disse que quando a cura para a AIDS fosse descoberta, até Charles Bronson iria “soltar a franga”. Charles Bronson já não está entre nós.
Continuamos esperando...

30 de novembro de 2006

Descascado


Qual o significado da BCG que “não pega”, que não faz “sinal”?
Antes de responder a esta questão, gostaria de refletir um pouco sobre a vacina:
Adultos costumam achar que por terem tomado uma BCG quando eram crianças, estão protegidos da tuberculose.
O número impressionante de casos no mundo inteiro (30 milhões de pessoas deverão morrer acometidos pela doença na próxima década – é como se quase toda a população do Estado de São Paulo “desaparecesse” nos próximos anos!*) é a maior prova de que a noção é totalmente falsa.
A proposta da vacinação é apenas prevenir casos mais graves de tuberculose em crianças, e nem para isso a BCG é uma grande vacina, infelizmente (mas é a melhor que nós temos).
Respondendo, então, à pergunta: segundo um editorial do Indian Pediatrics, quando a vacina “não pega”, há três possibilidades: 1) houve algum problema na conservação, manipulação ou aplicação da vacina, 2) houve resposta imunológica (ou seja, a vacina funcionou no que ela se propôs), mas sem deixar “marca” (na maioria destes casos, a cicatriz se formará com o tempo – às vezes até 3 anos – como mostra estudo do Pediatrics) ou 3) o organismo não foi capaz de produzir resposta adequada (problema imunológico, incapacidade de induzir uma resposta no indivíduo vacinado). Esta última situação é certamente mais rara do que as duas primeiras.
O que fazer?
Pelo menos na primeira falha, o certo seria revacinar a criança após cerca de 3 meses sem nenhuma “marca”. Caso ocorra nova falha (minoria dos casos), esta criança deverá ter atenção individualizada.

*Pode parecer tétrico, mas a demora na contenção de epidemias como a Aids e a tuberculose estão servindo para atrasar uma nova ordem mundial: como há limites na capacidade de se controlar a natalidade e o aumento na incidência das catástrofes (muitas delas facilitadas pela própria ação do homem) não resolverá o problema, certamente chegará em breve um momento da humanidade em que haverá um tremendo “patrulhamento do desperdício”, em que uma das maiores ofensas que um indivíduo poderá fazer aos outros será utilizar recursos (hídricos, energéticos, etc.) de forma perdulária. É incrível notarmos o quanto estamos nos preparando para isso. Temos adotado a política do “aproveitemos enquanto ainda é tempo”!

28 de novembro de 2006

Almas em Liquidação


Armamos uma bela arapuca para nós mesmos.
Estamos nos tratando exatamente como nossos “bens” de consumo: saiu um modelo novo, temos que jogar o velho fora.
Seres humanos também “estragam” fácil, ficam velhos, decadentes. Pior: já vêm de fábrica cheios de defeitos.
A morte da modelo anorética nos fez relembrar do quanto temos estado doentes como sociedade. O quadro de anorexia instalado pode pegar muita gente de surpresa, mas ele representa o estado terminal de uma auto-estima que já vinha de longe doente.
Não sei quanto a você que me lê, mas para mim, do alto dos meus quarenta e poucos anos, ainda está fácil entender porque jovens se matam na busca de corpos “perfeitos”.
Muitas vezes, ao cumprir meu “ritual da boa forma” numa bicicleta ergométrica, percebo que minha capacidade aeróbica vai às alturas assistindo ao clipe Freedom 90 (da minha época, fazer o que?) no aparelho de DVD, enquanto imagino todas aquelas Naomis Campbells e Lindas Evangelistas com corpos esculturais se arrastando aos meus pés. Opa! Sou adulto, e ao descer da bicicleta, consigo o ajuste imediato do meu senso de frivolidade pueril.**
Enquanto nós, seres supostamente mais maduros (e aí é que está, estamos mesmo sendo mais maduros que as crianças e os adolescentes?*) não incutirmos outros valores menos efêmeros que a beleza física na cabeça dos nossos jovens, estaremos vendo dramas parecidos acontecendo a todo o momento, mesmo sem a desculpa de uma absurda “exigência profissional” das modelos. Na há expressão que ilustre melhor a doença anorexia do que “não conseguir enxergar além do próprio umbigo”, literalmente.
* Tenho perdido a conta dos pais que se mostram aberta e insistentemente insatisfeitos com sua aparência (ou dos seus parceiros) na frente dos filhos. Habilidades, talentos, caráter, tudo o mais, têm sido deixados pra um segundo plano. Isto é, repito, uma doença – na verdade, uma emergência - social.
** Um meu ex-colega de faculdade, fortão, dizia adorar filmes do Stalone. Rocky, apenas. E por que não Rambo? “Me imaginar dando porrada em alguém em cima de um ringue é fácil. Matar conterrâneos aos montes na selva está além da minha capacidade de abstração”, explicava.

24 de novembro de 2006

Barraca Desarmada


Deu na BBC, semana passada:
Um ginecologista alemão terá que pagar indenização aos pais de uma criança nascida por falha do anticoncepcional implantado por ele (quase nada, a ninharia de 600 euros mensais até a criança completar a maioridade).
O implante deveria prevenir uma gravidez indesejada pelo período de 3 anos e a falha ocorreu 6 meses após.
Quando eu comprei meu CCE há muitos anos atrás, não me ocorreu processar o vendedor do aparelho. Provavelmente teria tido mais sucesso. E a confecção onde a senhora comprou o lingerie para a noite fatídica? E o fabricante do colchão? Não vão pagar nem uma asa do pato?
Parece-me que eu li alguma vez, não sei aonde, que anticoncepcionais às vezes falham.
Por isso, nas poucas vezes que sou chamado a aconselhar sobre método anticoncepcional (normalmente para as mães que estão amamentando seus pequenos filhos*), sou incisivo:
-Quartos separados!
(A mim não pegam!)
*Amamentação também não garante contracepção, é bom que se diga. Essa noção vem do tempo das cavernas, onde as mães viviam com seus filhos literalmente grudados nos seios 24 horas.

Foi questão de prova na faculdade:
Qual é o melhor método anticoncepcional?
Praticamente ninguém acertou:
Letra a) abstinência! (sem exclamação, claro)
Éramos jovens, na faixa dos 20 anos, ninguém pensou nessa alternativa...
Usando de uma metáfora lulista: “Não quer fazer gol (sabe?), dê passe pros lado”.

Questão de fé:
Quem, como eu, é insone o suficiente para acompanhar um mundial de vôlei no meio das madrugadas, percebe o quanto este esporte evoluiu. Pela velocidade (violência) das jogadas, há que se acreditar que ali, entre ágeis gigantes saltitantes, haja realmente uma bola circulando.

21 de novembro de 2006

Carroinferno


O mundo é uma bola. E ele gira.
(Galileu? Copérnico? Ptolomeu? Não importa.)
O lance é que ele gira devagarzinho, dando tempo dos nossos canais semicirculares (eu nem me lembrava que eu tinha – não um, mas três em cada lado da cabeça) se adaptarem a esse movimento todo.
Problema é quando esse gira-gira se acelera (e muito) duma hora para outra.
É assim que tenho me sentido esta semana.
Tenho aprendido na prática (senão o melhor aprendizado, o mais eficiente, aquele no qual nos tornamos o próprio paciente) sobre uma enfermidade chamada labirintite (termo erroneamente aplicado, pois nem sempre há inflamação envolvida). O termo mais correto seria neurite (ou neuronite) vestibular.
No meu caso, seguiu-se provavelmente a uma infecção viral comum, um quadro gripal leve.
Há quase uma semana sinto-me como quem subiu num chapéu-mexicano. Sem pagar entrada. Quem me vê por aí, pensa que eu ando imitando o Bono Vox cantado With or Without You, apenas que com algumas pausas para vomitar. Uma coisa horrível (horrível é aquele estágio antes do terrível).
Diz a literatura médica que essa festa vai terminar logo (1 a 6 semanas?), espontaneamente. Vendo o lado positivo da coisa (meu lado positivo só vai para a esquerda nestes últimos dias), ando pensando em me inscrever na próxima viagem espacial de um brasileiro. Depois disso, vai ser uma moleza.
(Ugo!!)

17 de novembro de 2006

Tolerância Zero


Frequentemente vejo mães olhando com olhar de vítima para seus filhos dizendo: “Ele tem intolerância à lactose...”
Mais uma daquelas situações em que morremos de vontade de dizer:
“Grande coisa!” (mas eu me seguro – na maioria das vezes, pelo menos).
Como mostra recente revisão sobre o assunto no Pediatrics, cerca de 70% da população mundial vai “passar mal” ao ingerir uma quantidade maior de leite. Ou seja, se seu filho é intolerante à lactose, parabéns! Ele está com a maioria!*
Então não se deve fazer drama. Há várias opções:
Em primeiro lugar, até certa quantidade de leite ou derivados são tolerados pelos intolerantes. Além disso, o consumo regular do leite deve, com o passar do tempo, “acostumar” o organismo com maiores quantidades.
Há, ainda, várias opções para os que não toleram o leite, como os iogurtes (as bactérias do iogurte pré-digerem parte da lactose) e os leites com baixo teor de lactose.
E mais: a ingestão de outros alimentos juntamente com o leite diminui os sintomas da intolerância (diarréia, “estufamento”, dores abdominais, náuseas, vômitos). Outra opção é dividir o volume total do leite diário em porções menores durante o dia.
*Importante saber que, embora os sintomas sejam desagradáveis, não causam qualquer dano ao aparelho digestivo (o único “senão” é que, ao se recorrer ao uso de produtos com baixo teor de lactose, a absorção do cálcio alimentar diminui).

14 de novembro de 2006

Inimigo Oculto


Não sei quantas milhões de vezes já ouvi a pergunta:
-Se a criança tem febre é porque tem alguma infecção, não é?
Sei que pais não gostam de ouvir o diagnóstico “provável virose” e sinceramente não acho que tenham que gostar.
Agora, que é o diagnóstico mais comum na maioria das crianças febris, é. *
O termo “virose” engloba os resfriados, as gripes e algumas doenças mais específicas. Exemplos comuns são a hepatite viral, eritema infeccioso, dengue, citomegaloviroses e outras, que muitas vezes (a maioria das vezes, na verdade) não chegam a apresentar sintomas mais “floridos”, por questões como saúde prévia à doença, estado imunológico, menor agressividade do vírus, etc.
Além disso, “invasões” da corrente circulatória por bactérias (as chamadas bacteremias ocultas, que apresentam uma freqüência de até mais de 20% dos casos de crianças febris abaixo dos 2 anos de idade) também podem e costumam ser autolimitadas, mas são rotuladas como “viroses” erroneamente, embora a evolução para a cura seja da mesma forma a regra para a maioria.
Então, empregue-se o termo que se empregar, o que importa é a compreensão do que ocorre no organismo febril.
Penso que já seja hora de se nomear esta situação mais apropriadamente. Aqui vai uma modestíssima sugestão:
PROCAPNI: provável reação orgânica causada por agente patogênico não-identificado.
Que tal?
(Não, acho que não gostaram...)
* Lembrando: outras doenças não-infecciosas (como as doenças reumáticas, por exemplo) também podem causar febre.

10 de novembro de 2006

Parabéns! Você Acaba de Adquirir...



A grande mazela do sistema capitalista num país “em deseducação” como o Brasil não é apenas - ou propriamente - o aprofundamento do famoso abismo que separa os que têm e os que não podem ter.
A fatia dos que acreditam que ter é essencial é que vai se engrossando.
Assustados, assistimos a toda hora às insuspeitadas e graves conseqüências sociais do míope desenvolvimento de duas novas “gerações”: os que crescem tendo de tudo “facilmente” (e que muito por causa disso vão se tornando deficientes na percepção da importância do ser) e os que se sentem impotentes por não poderem ter (estes, desassistidos do básico, se tornam ainda mais facilmente presas desta falsa noção).
Difícil prever quem serão os mais alienados.
Curioso, não estamos sendo seres mais completos após o advento do MP3 player e do DVD portátil...

7 de novembro de 2006

A Galinha ou o Ovo, de Novo


Até há bem pouco tempo atrás achava-se que a enxaqueca era um “defeito” na função cerebral, apenas.
Um recente estudo publicado no PlosMedicine mostra que pacientes enxaquecosos (cerca de 15% da população) apresentam alterações anatômicas (visíveis à ressonância magnética) também, em áreas do cérebro relacionadas ao processamento (análise) de informações visuais e de movimento. Não se sabe ainda se as alterações observadas são causa ou conseqüência.
Daí a provável explicação dos pacientes com enxaqueca apresentarem sintomas visuais antes da dor em muitos casos (aura visual), bem como sintomas ocasionais de vertigem entre as crises.
Lembram os autores também da relação entre as crises de enjôo em viagens (motion sickness) em crianças e o futuro aparecimento de enxaquecas, já bem documentado.

3 de novembro de 2006

CoCobaias


Mostre-me uma pessoa tomando Coca-Cola Light e eu te mostrarei alguém magro. Mostre-me alguém consumindo Coca “normal” e eu te mostrarei alguém gordo.
Por que será que isso não é verdade?
Suspeito que seja porque o consumo de alimentos com ou sem adoçantes seja apenas uma agulha no palheiro das múltiplas (e muito mais importantes) causas da obesidade. Além do mais, os adoçantes alteram o comportamento alimentar (para mais, infelizmente) dos seus usuários, dentre outros motivos pela interferência na liberação da insulina e pela modificação na capacidade do cérebro de "perceber" calorias ingeridas (ou seja, um mau negócio, muitas vezes).
Enquanto isso, vamos nos tornando cobaias da indústria alimentar, principalmente da indústria de refrigerantes.
Recentemente a Coca-Cola brasileira substituiu o ciclamato e a sacarina pelo acesulfame-K (associado a uma dose menor de aspartame) no seu principal produto light.
Se o ciclamato era seguro – como até então se dizia - e o apreciado “gosto de parafuso” é quase o mesmo, o que houve para se efetuar a troca?
O motivo alegado para a troca é a tendência atual do blend (palavra chique para a mistura de componentes químicos). Teoricamente a associação do acesulfame-K com o aspartame torna o sabor ideal (pelo sinergismo, ou somação do efeito doce), com a necessidade de menores doses de cada um dos componentes.
Mas o maior benefício da mudança (para a empresa) foi a retirada do polêmico ciclamato da fórmula da Coca Light. Em todos os outros produtos light, entretanto, o ciclamato continua (Coca Light Lemon, Fanta Light, Kuat Light e Sprite Zero).
Se você ainda não teve a curiosidade de visitar o site da Coca-Cola brasileira, veja o que a companhia tem a dizer sobre a segurança do ciclamato na faixa etária pediátrica (minha principal preocupação):
“É preciso esclarecer que, em primeiro lugar, o público infantil não é o target* nem é o grande consumidor de produtos light. Nossa comunicação e propaganda não é dirigida a crianças menores de 12 anos”. (*alvo em inglês, tá?)
(Lembrem-se, então, consumidores, de reparar: as garrafas que os ursinhos polares seguram nos comerciais não é light!)
E adiante:
“Não se espera, por exemplo, que uma pessoa consuma diariamente quase um litro de Coca-Cola Light Lemon. Isto é considerado consumo excessivo, se feito todos os dias”.
Ah, tá... Toda essa montanha de publicidade para que não se espere o consumo! (o interessante é que este texto é uma resposta à alegação do IDEC de que se uma criança de 30 Kg – já bem grandinha, de quase dez anos, em média, imagine uma "criancinha" – consome uma lata – de 350ml, não “quase um litro” - diária de Sprite Zero, já excede o limite diário de ciclamato).
Mais um fato curioso: o ciclamato na terra natal da Coca-Cola não é permitido (ou seja, está ausente dos seus refrigerantes).
Voltando ao acesulfame-K, veja o que tem a dizer a séria ONG Center for Science in the Public Interest (uma tremenda “pedra no sapato” das indústrias):
“Os testes de segurança foram conduzidos nos anos 1970 e são de qualidade medíocre. Cobaias ‘chave’ foram afetados por doenças; um dos estudos foi vários meses mais curto do que deveria ter sido e não expôs os animais durante a gestação. Dois dos estudos sugeriram que o aditivo possa causar câncer.(...) Além do mais, altas doses de acetoacetamida, um subproduto, afetou a tireóide de ratos, coelhos e cães”.
Está na lista “negra” do CSPI (juntamente com o ciclamato, este por ser pelo menos um potencializador de outros agentes cancerígenos) dos aditivos a serem evitados.
Com a palavra...
Quem?

31 de outubro de 2006

Me Devolva Meu Eu


-O que tem a criança?
-Febre alta, tosse, dor de cabeça e dor nas costas.
No dia seguinte:
-Como é que está?
-Ainda tosse.
-E a febre?
-Não tem mais.
-E a dor de cabeça?
-Melhorou.
No outro dia:
-Está melhor?
-Não está nada bem.
-Por que? Voltou a febre?
-Não.
-Ainda tosse?
-Só um pouquinho.
-E a dor nas costas?
-Passou? É, passou...
-E então?
-É, mas não tá comendo nada...
Médico é assim. Uma pessoa muito parecida com o muro das lamentações. Quando melhoramos de algum (ou vários) sintomas, passamos a focar em outros, que até aquele momento passavam relativamente despercebidos.
Naturalmente, quase ninguém pensa no quanto está bem quando está tudo bem, mas muitos pensam no quanto estão mal quando estão pouco menos que o ideal. E, para algumas pessoas, infelizmente, o copo pode estar sempre meio vazio.

27 de outubro de 2006

"Gueraudarrier, Ma!"


Um estudo que eu gostaria que toda mãe pendurasse na geladeira de suas cozinhas:
Lactentes acompanhados até o 1º. ano de vida no seu ganho de peso mostra que, da mesma forma que ocorre com crianças mais velhas, o que a mãe faz em termos de controle alimentar de seus filhos, tem efeito contrário. Isso mesmo: contrário!
O gráfico (meio “complicadinho”) feito a partir de 69 duplas mãe-filho mostra que em crianças que vinham com baixo ganho de peso até 6º. mês de vida, o peso se manteve baixo a partir dali, no caso das mães controladoras (high), que quiseram “forçar” seus filhos a comer mais.
O mesmo ocorreu com crianças que tinham peso excessivo. Ou seja, filhos de mães que regularam demais a quantidade de alimentos ofertados foram os que continuaram engordando mais. E vice-versa para as não controladoras (medium e low).
Resumindo, é o que vivemos falando para as mães:
-Deixem seus filhos comerem em paz! (interfiram o mínimo possível)
Obs.: embora o estudo não tenha metodologia perfeita, mostra o que todos nós observamos na prática.
Um detalhe, entretanto, merece especial menção: mães ainda “servem” (ou deveriam servir) para monitorar a qualidade dos alimentos oferecidos à criança!

24 de outubro de 2006

A Bolsa ou a Vida


Esta discussão deu-se foi no New York Times, mesmo:
Com o sugestivo título “Uma Vida Mais Longa ou Outros Gastos” o economista David Leonhardt argumenta que os americanos costumam ter uma esperança irreal de viver mais e com maior qualidade sem querer arcar com os altos custos disso.
Cita o caso dos cidadãos dos anos 1950, que gastavam o equivalente a 500 dólares por ano, mas que não tinham muito o que esperar em troca deste “pequeno” valor (os gastos com saúde nos Estados Unidos hoje se aproximam dos 6.000 dólares anuais, e a expectativa de vida é uma década maior do que naquela época).
A pergunta parece óbvia:
O que você prefere: pagar 5.500 dólares extras ao ano com custos de saúde ou viver uma década a menos?
Não há soluções fáceis para o impasse em nenhum país do mundo (imagine para o nosso), e parece inadmissível que os gastos com saúde dobrem a cada sete anos – como tem acontecido - mas o autor do artigo enfatiza a necessidade das pessoas se convencerem de que terão que mexer mais nos seus bolsos para que possam usufruir de suas vidas por mais tempo e com melhor qualidade.
Trazendo o ensinamento para a nossa realidade, num futuro bem próximo, quem terá plano de saúde, por exemplo (seja ele privado ou contratado pela empresa), só contará com algo realmente útil caso este seja apropriadamente caro (o problema aqui está em: é caro pela qualidade ou é caro por ser mal gerido?).
A grande maioria das pessoas continuará contando com as filas, as brigas, o conformismo e a má qualidade, infelizmente.

Cada coisa que a gente desaprende na Internet:
No site
brazilbrazil.com há uma página dedicada à história da troca temporária das duas principais estátuas do mundo, supostamente ocorrida no ano de 1963. Tanto a estátua da Liberdade quanto a do Cristo Redentor teriam sido desmontadas e trocadas como uma forma de “política de boa vizinhança” entre os dois países.
Curiosamente, após a destroca (a da Liberdade era muito “gorda” para caber no nosso pedestal), o Cristo Redentor “girou” 180º (conforme mostra a foto no site).
Se não vale pela bobagem, vale dar uma conferida nos cartuns do Cristo Redentor (da série “rir para não chorar” com nossas desgraças).

20 de outubro de 2006

Mens Sana Que Eu Gosto, In Corpore Sano


Clarifico novamente que não sou especialista na área, mas caso você seja um deprimido leve (quem não é, hoje em dia?), aconselho: melhor do que tomar um ou dois Prozacs é pôr mãos - e pés - à obra. Ou seja, malhar.
Quem me veio inicialmente com a dica foi Andrew Solomon, no seu imperdível (ao menos para os que são, têm parentes ou têm que lidar com deprimidos) O Demônio do Meio-Dia.
Diz lá:
“Malhar é a idéia mais repugnante que eu posso ter quando estou deprimido, e não é nada divertido fazê-lo, mas depois eu sempre me sinto mil vezes melhor.”
O próprio livro dá a explicação (citando James Watson, ganhador do Nobel pela descoberta do DNA): o exercício produz endorfinas. A endorfina é a morfina endógena (produzida pelo próprio organismo), que te faz sentir muito bem quando você está “normal”, e pelo menos melhor quando você está muito mal. (...) Além do mais, a depressão torna seu corpo pesado e “devagar”, o que exacerba ainda mais o seu mal-estar. Então, se você mantém seu corpo funcionando (tanto quanto pode), sua mente irá “na cola”.

Uma novidade tecnológica na área médica (ainda engatinhando): um aparelho baseado em raios infravermelhos que permite a fácil visualização das veias do corpo. Já tem servido para o acesso de veias em pessoas com problemas como o câncer mas, como os fabricantes anunciam, poderá servir para detectar problemas venosos em diabéticos, além de problemas do coração e pulmão sem sofrimentos ao paciente. Sem falar que, com o barateamento da tecnologia, acabará com as várias tentativas para se pegar uma veia nos laboratórios.
Próximo passo: acabar com a temida agulha.

17 de outubro de 2006

Onde Está o Porco?



Como é que se pega a neurocisticercose, uma doença potencialmente grave, que pode levar à morte e, apesar disso, totalmente evitável? (veja na figura da ressonância magnética, um cérebro que parece “crivado de balas”, está na verdade crivado de cisticercos).
Comendo carne de porco infectada com Tênia! Dãr!...
É a resposta de muita gente boa (estou preconceituosamente me referindo à pessoas que estudaram – médicos, inclusive).
Um dos enganos mais freqüentes da Medicina, como explicou recentemente o neurologista Luis dos Ramos Machado, no programa do Jô. Quando o homem ingere a carne infectada com “canjiquinha” (o próprio cisticerco, a larva da tênia, alojada na carne do porco), o que ele desenvolve é a teníase do porco, uma doença parasitária sem maiores conseqüências.*
Já quando o homem “pula” o hospedeiro intermediário, ou seja, quando ingere diretamente os ovos da tênia (ovos que são extremamente resistentes à destruição no meio ambiente), aí sim, é que a cisticercose pode aparecer (é quando o ciclo “se quebra” – na figura: homenzinho A evacuou “na natureza” e o homenzinho do canto direito comeu os “ovinhos”, sem passar pelo porco).
E de que forma se ingere ovos da Tênia do porco?
Mais facilmente do que se pensa, principalmente em países com menos condições de higiene: através da ingestão de água não tratada, alimentos contaminados (principalmente alguns vegetais e frutas) ou mal lavados, através da auto-infestação (muito comum – quantas pessoas realmente lavam bem as mãos após fazerem seus “número dois”?) e, acredite, até através do sexo oral (pela proximidade da “fonte”, ou seja do ânus)!
*A importância da teníase acaba sendo maior justamente pela possibilidade de se passar a cisticercose para os outros ou para si mesmo.
(Obs.: a tênia da vaca não causa cisticercose).

Veja a difusão do desconhecimento: tenho em minhas mãos um volume do Dicionário Larousse da Língua Portuguesa que me diz que “cisticercose” é “a infestação parasitária dos tecidos e órgãos por cisticercos, provocada pela ingestão de larvas de tênia contidas em carnes” (!) e “cisticerco” é “a larva de platelmintos cestóides, como as tênias, que o homem pode adquirir pela ingestão de carne mal cozida, ou crua, de porco ou boi” (!!).
E eu ainda não o joguei no lixo...

13 de outubro de 2006

Crise


Uma das maneiras mais eficientes que alguns médicos encontram para não pirarem com suas angústias é o “compartilhamento da choração de pitangas”.
E não é só por aqui, não.
Num dos meus blogs preferidos, o Medpundit, a sua titular, uma médica antenada que esconde sua cara, mas assina-se Sydney, expressa uma preocupação que é, na verdade, de todos nós, médicos e pacientes (Thoughts on My Profession):
Cita a médica a tendência atual da “medicina baseada em evidências” (a cartilha pela qual médicos devem basear suas condutas hoje em dia, pelo método cartesiano – porém nunca desprovido de interesses – da Ciência “pura e simples”) em recomendar o uso de várias medicações “de cara” para o melhor controle de males como a hipertensão, o diabete e a doença renal crônica.
A sua crítica é cortante: como se pode prever o que acontecerá nos organismos de diferentes pacientes com diferentes dosagens de tais medicamentos? Sem contar o fato - explica a moça - de que muitos pacientes apresentam as três condições (diabete que levou à hipertensão, que levou à doença renal, por exemplo).
Um de seus argumentos mais importantes é de que a medicina baseada em evidências mede somente resultados objetivos como os índices de hospitalização ou morte pelas doenças (deixando de levar em conta o mero fato de o paciente estar apenas “se sentindo bem” ou não com a “avalanche medicamentosa” proposta pelo seu médico).
(tão bão que eu tive que dar meu "pitaco"...)

10 de outubro de 2006

Ligadões


Tá certo que infarto do miocárdio é como Papai Noel: ninguém acredita que ele vá chegar um dia, até que se ouve o “ho-ho-ho” descendo pela chaminé.
Deu no JAMA: descontados outros fatores como fumo, sedentarismo, excesso de peso, etc., nós, os cafeinômanos (viciados em cafeína) temos maiores chances de ter um infarto, caso tenhamos herdado um metabolismo lento para a cafeína (a incidência deste metabolismo lento beira a metade da população dependendo da área estudada). Como saber se estamos nessa? Por enquanto é “espere e verá!”
Curiosamente, a partir de certa idade (± 60 anos em diante), o consumo de cafeína parece não alterar o risco.
Minha dedução:
Assim como nos prematuros muito “verdes” precisamos dar xantinas (a cafeína é uma xantina) para “ligá-los na tomada” para que respirem com mais vigor (inclusive por ação no sistema nervoso central), também nos velhinhos um bom tanto de cafeína dá um certo “upgrade” nas funções mental e cardiorrespiratória.

6 de outubro de 2006

Veja Lá o Que Você Vai Dizer, Meu Filho!


A maneira de se constatar verdades na Medicina (bem como em qualquer área da Ciência) no passado recente era, digamos assim, meio “torta” (tão torta quanto a deliciosa torta das nossas queridas vovós, que era quem costumava entender mais de Medicina nas famílias, posto que até hoje elas não se conformam em ter perdido).
Então, ao se constatar, por exemplo, que num grupo pequeno de pessoas, quem tinha olhos castanhos tinha mais espinhas na face, isto logo virava uma regra, uma verdade*.
Maus cientistas (principalmente mal-intencionados) e indústrias farmacêuticas** tentam ainda hoje se utilizar destes artifícios para “criar” verdades que possam lhes trazer benefícios, como um impulso nas vendas. Por isso, não há outra saída, como já se sabe, que não seja uma antena mais ligada através da educação dos profissionais e da própria população, alvo principal das farsas metodológicas.
(* uma das maneiras de se corrigir erros como este seria aumentar o tamanho da amostra estudada: se em um grande número de pessoas esta relação se confirma, provavelmente é verdade, mesmo).
** Criar fatos que justifiquem suas vendas sai muito mais barato para as indústrias do que reinvestir em pesquisas quando suas drogas se revelam serem só isso mesmo: drogas!

3 de outubro de 2006

Todo Dia Ele Faz Tudo Sempre Igual


O metódico é um sujeito irritante, que em muitos momentos chega a ser até disfuncional (que o digam os que convivem com ele).
Porém, quando se trata do paciente obeso, nosso desejo é de que se transformasse num.
Tenho alguns poucos pacientes obesos que começaram, a partir de certo momento, a se transformar em sujeitos metódicos e, com isso, perderam peso, aparentemente “para sempre”.
Por que?
Porque comem em horários corretos e não variam muito o que comem ou o quanto comem (facilitando a “programação orgânica” do equilíbrio calórico, inclusive permitindo uma melhor adequação das atividades físicas necessárias para a perda ou manutenção do peso).
Perigo disto:
Pessoas metódicas têm uma grande tendência a desenvolver transtornos obsessivo-compulsivos, que pode ser difícil de tratar. Além disso, principalmente em mentes em formação, há um risco importante do desenvolvimento de transtornos alimentares (bulimia e anorexia) pelo fato de abrirem mão do prazer da alimentação, comendo “como máquinas”.

Lula errou na maneira de governar, na estratégia de campanha e na previsão de vitória no primeiro turno no próprio dia das eleições. Mas no resto ele acertou, no resto ele acertou!

Maluf, Palocci, Collor, Genoíno, Sarney, Berzoini, Roriz, Enéas, Clodovil... Como diria o Jô Soares anos atrás com seu exilado político, “tu não quer que eu volte!”, ou então, com seu doente terminal: “Me tira os tubos!”.

29 de setembro de 2006

Mistérios


Não tem a ver com a minha especialidade, mas quando se lê revisões como a do recente número da revista Lancet (uma das mais prestigiosas da área médica) de 2006 sobre a síndrome da fadiga crônica tem-se a impressão de se estar voltando no tempo (coisa pouca, uns cento e cinqüenta anos).
Primeiro porque há ainda controvérsias sobre se a doença realmente existe (daí já dá para se ter noção da barafunda).
Segundo, porque dentre as possíveis causas são enumeradas praticamente todas as causas de praticamente todas as doenças existentes (a lista vai de infecção por vírus até problemas imunológicos, psiquiátricos, endocrinológicos, etc.).
Terceiro, porque além da própria fadiga, o que mais há de sintomas próprios da doença? Bem, nada mais, a não ser... uma enorme fadiga!
Um ponto interessante (não sei se é por que sou um entusiasta assumido deste tipo de tratamento ainda “engatinhando” no Brasil, infelizmente) é o fato de que o único tratamento realmente eficiente para o problema é a terapia cognitiva-comportamental (que, aliás, é muito boa para ajudar a resolver muitos dos problemas “misteriosos”, ou então os multifatoriais, ou seja, aqueles que possuem mais de uma causa).

26 de setembro de 2006

Goiabadicto



Uma crença muito difundida é de que uma vez que se recorra ao uso dos broncodilatadores (Berotec, Aerolin, Bricanyl, etc.), seja na forma de nebulização ou do spray (as “bombinhas”), o paciente será sempre um dependente deles, será um viciado no seu uso.
Nada mais errado.
Imagine um sujeito que nunca tenha comido goiaba e que no dia em que visita a chácara de um amigo, experimente a fruta e a partir dali nunca mais deixe de ter goiabas na fruteira de casa.
Com os broncodilatadores ocorre a mesma coisa. O fato de vermos uma ou outra pessoa usando broncodilatadores com alguma freqüência (freqüência grande em alguns casos), significa que esta pessoa se beneficia de seu efeito (assim como quem se delicia com o gosto da goiaba quer tê-la sempre por perto).
Não há nenhum vício (ou dependência) implicado. Nem na goiaba (há apenas um benefício: eliminação do “desejo de comer goiabas”), nem nos broncodilatadores (benefício: melhora da falta de ar ou dos outros sintomas relacionados, como a tosse).
Quer parar, achou outra fruta mais apetitosa, achou outra medicação mais apropriada para seu caso, passou mal de tanto comer goiabas, apresentou alguma reação adversa com os broncodilatadores, adeus goiaba, adeus broncodilatador.
Simples assim.

22 de setembro de 2006

Abra a KBça *


De um lado, moças ou meninas-moças com seus desejos, inseguranças, temores, ansiedades.
De outro, rapazes, com mesmos sentimentos (apenas que mais ocultos), no entanto “loucos” para se aproveitarem das facilidades para sua iniciação sexual.
E no centro da questão, especialistas em comportamento e sexualidade decretando: chega de “nhenhenhem!” (A partir de agora, é ação!)
É a propaganda instrutiva do guaraná Kuat, que sempre nos seus comerciais carrega na temática sexual, mesmo que de forma “sutil”.
Fala direto para seu público alvo (quem toma guaraná normalmente, senão pré-adolescentes e adolescentes?). E usa a tática do “vamos ser bonzinhos com essa turma, é o que eles querem ouvir, não é mesmo?”
Então, para que vamos perder tempo com relacionamentos mais aprofundados, respeito às necessidades e desejos do outro, valores mais nobres, “nhenhenhem”, enfim?
E o que é mais preocupante: campanhas sérias (não necessariamente “caretas”) que falem à sexualidade dos adolescentes, onde estão? No máximo, o que vemos são trabalhos como o da VJ Penélope da MTV, PhD em... deixa pra lá!
*Por enquanto, o lema é “abra a cabeça!”, mas será que vamos nos assustar quando o lema for “abra outras coisas”?

19 de setembro de 2006

Do Intestino para os Rins


Infecções intestinais (gastroenterites) causadas por um tipo específico de germe (Escherichia coli O157:H7, presente em carnes mal cozidas*, leites e alguns sucos não pasteurizados, normalmente) podem causar a síndrome hemolítica-urêmica, uma falência (normalmente temporária, mas potencialmente grave e permanente) dos rins, provocada pela destruição de células vermelhas e plaquetas (células responsáveis pela coagulação), causada pela ação da toxina do germe.
Apesar de relativamente infreqüente, sua incidência tem aumentado.
O principal recado para a prevenção do problema é:
Evite comer carne de gado mal cozida (hambúrgueres, principalmente) e leite não pasteurizado (no caso de leite “de leiteiro”, deve ser sempre fervido) e cuidado com a prescrição de antibióticos no caso de diarréias, pois há consenso de que seu uso aumenta a chance da doença aparecer.
* Uma “epidemia famosa” - de âmbito mundial - do germe ocorreu no McDonald’s alguns anos atrás.

15 de setembro de 2006

Na Raiz


Perdoem-me pela péssima comparação.
Mas, em entrevista recente no “Sem Fronteiras” do canal Globonews, uma cientista política de Harvard propôs a solução para o combate ao terrorismo: crie-se um factóide qualquer e anuncie que a guerra está ganha. A partir daí, não dêem mais bola para eles.
O método didático da ignorância (no bom sentido).
O mesmo método que tentamos aconselhar às mães na lida com seus pequenos “terroristas” domésticos nas suas “crises de birra”.
Funcionará?
Quando bem aplicado, não há alternativa.
Saiu de onde a idéia?
Por coincidência, de uma mulher.
Quase sem testosterona. E, provavelmente, mãe.

12 de setembro de 2006

Ah é, é?


Vim para confundir, não para explicar.
Assim parece ser com o estudo divulgado na edição de abril deste ano no Pediatrics a respeito do papel dos alérgenos (todo agente capaz de produzir alergia) domésticos em crianças asmáticas.
Diz lá mais ou menos o seguinte:
Não importa o quanto as crianças alérgicas (asmáticas, neste caso) se exponham dentro de casa a alérgenos como fumaça de cigarro, restos de cocô de barata e mofo, sua incidência de crises de asma vai ser igual à daquelas que vivem em ambientes totalmente “clean”.
Isto não deveria soar como novidade, no entanto, visto que as crises asmáticas têm nos alérgenos apenas um (importante, é verdade) fator, dentre muitos (como uso correto de medicações, perfil psicológico do paciente, nível de atividade física, exposição a fatores não-alergênicos como o ar frio, alimentos e os próprios medicamentos, etc.).

8 de setembro de 2006

Cidade


Observo da janela do meu apartamento uma cidade inteira desenhada com giz colorido no cimento cru da entrada da garagem da casa ao lado. Projeto da autoria de três ou quatro meninas da faixa dos 7 a 8 anos, creio.
Há na cidade:
Três (isso mesmo, três!) pet-shops. Um para cada uma das meninas, ao que parece, pois cada um tem um nome feminino na placa desenhada.
Várias vagas de estacionamento (onde se lê vários: “reservado”).
Um intrincado sistema viário.
Três casas, sendo que apenas uma mansão (no centro da qual está uma enorme cama, próximo a um sofá – sei que é um sofá, pois está escrito que é um).
Bosques recheados com árvores por todos os lados. Talvez haja um mar por ali, visto que há ondas em giz azul.
E, me parece que seja o item principal, um parquinho, bem na entrada da cidade onde está escrito: Bem Vindo (sem hífen, pra que serve um hífen, afinal de contas?).
É isso: são todos, a princípio, bem-vindos ali.
Fiquei, então, imaginando onde faria compras. Poderia passar algum tempo a base de ração. E se ficasse doente? Claro, remédios, agulhas e seringas não devem faltar num pet-shop. Cabeleireiro, também (vejo muito poodles com cortes im-pe-cá-veis).
Um projeto acabado de urbanismo. Ao custo módico de algumas barras de giz. Uma cidade tão perfeita quanto efêmera. Ruirá à primeira chuva mais forte. Ou com as marcas de pneus.
Ou, ainda mais tragicamente, com a perda da inocência das arquitetas.

5 de setembro de 2006

Tudo Conservantes no Quartel d'Abrantes


Neste bimestre uma revista regional de pediatria (Pediatria A Dia) apresenta uma entrevista com o alergologista brasiliense Wellington G. Borges sobre os aditivos alimentares.
Ensina-nos ele:
Por ano, um homem adulto consome em torno de 70 kg (outro homem, então) em aditivos alimentares (preservativos, emulsificantes, estabilizantes, acidulantes, corantes e outros “antes”)!
A FDA (Foods and Drugs Administration, nem sempre uma salvaguarda da nossa saúde, mas a melhor que temos) tem mais de 3000 aditivos alimentares aprovados para uso e outros 20.000 que são classificados como “geralmente seguros”.
Os aditivos, ao contrário do que se acredita, são realmente seguros para o consumo, apresentando incidência muito pequena de reações adversas no organismo humano.
Nos medicamentos é que a coisa pega: diferente dos alimentos, os aditivos são os componentes principais (embora ainda assim possam ser considerados seguros na maioria das vezes).
As reações aos aditivos podem ser de várias naturezas: alérgicas, farmacológicas, químicas, psicológicas e imunológicas (todas relativamente pouco freqüentes).
E, por último: não há qualquer fundamento científico em se tentar retirar corantes da dieta de crianças que tenham apresentado algum episódio de urticária aguda (urticárias podem ter várias causas, muitas difíceis de se comprovar; além disto, estas dietas vão criar muitas dificuldades e estigmas para a criança).

1 de setembro de 2006

Desbocado


É verdade o que diz o ditado alemão: “aftasardem, hemorroidasidem”.
As estomatites (“inflamações da boca”) aftosas, então, são doenças que, apesar de benignas, incomodam muito. Curam espontaneamente em torno de 10 a 14 dias, mas até lá, dificultam a alimentação da criança e causam sofrimento (é um dos problemas que mais fazem pais voltarem para que o médico “ache alguma solução”).
Já as estomatites herpéticas (primeira infecção pelo vírus do herpes – labial, normalmente) podem se parecer com as estomatites aftosas. Têm como grande diferença clínica a inflamação das gengivas, que podem ficar sangrantes. Após tempo variável (que pode ser de anos) vão causar o herpes labial. Também costumam curar sozinhas (e incomodar muito).

29 de agosto de 2006

Bicho de Sete Máscaras


A Nemours Foundation publicou recentemente dicas para os pais de crianças que irão enfrentar uma cirurgia.
São elas:
- Seja honesto. Responda as perguntas da criança de maneira que ela compreenda.
- A faça saber que você estará o tempo todo na sala de espera durante o procedimento, e que estará junto com ela quando acordar.
- Explique as coisas de forma simples. Só explique o que for perguntado - de forma honesta - por ela.
- Explique que ela irá dormir antes da cirurgia e que ficará dormindo o tempo todo e não sentirá dor. Explique que poderá se sentir um pouco desconfortável após a cirurgia (ou até um pouco de dor, que será medicada).
- Permaneça calmo(a) e relaxado(a). Sua atitude terá conseqüências importantes na maneira como sua criança reagirá ao que está acontecendo ao seu redor.

Meu adendo:
O último item vale para tudo o que a criança passa: de exames médicos a exames de laboratório. Não há nada mais atemorizante para a criança do que uma mãe que se joga sobre ela e ameaça chorar junto, mesmo num simples procedimento (acredite, acontece, e muito!).
Uma outra dica que eu dou para as mães é de que evitem conversar sobre a cirurgia próximo à criança (a não ser no momento necessário), pois vai alimentando temores e fantasias na sua cabeça. O curioso é que muitas delas, ao perceberem a aproximação da data, ficam doentes (quase como “de propósito”, para escaparem). Para estas, provavelmente é melhor que só se fale no próprio dia ou na véspera.

25 de agosto de 2006

Branco de Nevo

Manchas claras na pele de crianças são comuns.
Entre as mais freqüentes estão a ptiríase alba (que não é mais do que uma descamação da parte superficial da pele, áspera à palpação, que costuma aparecer na face ou membros de pessoas com tendências a alergia, os atópicos), o nevo acrômico (a mesma “pinta de beleza” que normalmente é amarronzada mas que pode ser descorada, aparecendo desde o nascimento até cerca de 5 anos de idade, estável – não costuma crescer muito desde o diagnóstico – com bordas irregulares e que não apresenta sintomas como perda de sensibilidade), o vitiligo (mais evidente na ausência de cor do que o nevo acrômico, com bordos nítidos, de localização próxima aos orifícios, mãos, cotovelos, joelhos e tornozelos e de causa imunológica) e a ptiríase versicolor (uma espécie de micose que forma várias lesões que vão se espalhando no tronco, pescoço ou face).
Destas, a que precisa de mais atenção é o vitiligo, pois além de ter tratamento algumas vezes difícil, pode se associar com doenças em outros órgãos como a tireóide. A ptiríase versicolor costuma ser facilmente tratada com medicação própria para micoses. A ptiríase alba não precisa mais do que hidratação e o nevo acrômico, fotoproteção (protetores solares se em áreas expostas).
Obs.: na dúvida diagnóstica (principalmente em lesões não-características) está indicada a biópsia da pele.

22 de agosto de 2006

Louco de Calmo


Ainda não o fiz (ainda não enlouqueci o suficiente), mas vai chegar o dia em que para alguma destas mães que se plantam na nossa frente dizendo algo como: “Meu filho tem dor de barriga há meses, quero (mando seria a palavra mais adequada) que faça todos os exames que tem de ser feitos!” responderei tão-somente:
“Pois não!”
Apanharei então em silêncio o bloquinho de exames do convênio (são quase sempre pacientes de convênios, por que será?) e redigirei nele demoradamente:

Solicito:
- Medição dos hábitos intestinais
- Avaliação do psiquismo materno e paterno
- Dosagem do nível de carboidratos, gorduras e conservantes dos alimentos oferecidos
- Dosagem de lactose alimentar
- Medição dos níveis de ansiedade escolar (pais e criança)
- Medição dos sintomas associados
- Dosagem sangüínea dos medicamentos utilizados para o alívio das dores, bem como a mensuração dos seus efeitos
- Dosagem de cálcio, fósforo, ferro, níquel, cádmio, magnésio, polinésio e etc.
- Ultrassonografia das orelhas: duas (quem sabe não achamos ali alguma coisa?)
E o exame principal:
-Exame físico

E então, na consulta de retorno, olharei (também em silêncio, com o olhar grave de quem é o único capaz de entender os resultados) a papelada e direi:
“Como suspeitávamos, é um típico caso de sincrombose eclética subaguda”.
E me congratularei por tão brilhante diagnóstico, enquanto prescrevo rapidamente alguma coisa para o paciente, porque “tempo é dinheiro”, já dizia Hipócrates!

PS.: 1)por ora tenho me contentado em, no lugar disso tudo, coçar discretamente a minha omoplata esquerda, que já vem mostrando sinais de afundamento há dois ou três anos.
2) a “bronca” não é com o fato de se fazer exames, e sim com o desprezo de tudo o mais que envolve o ato médico, como a anamnese e o exame físico (em muitos problemas pediátricos, os exames são positivos em menos de 1% dos casos)!

18 de agosto de 2006

Descortino Gradual


Imagine que engraçado alguém se desfazendo em micagens para quem não está nem enxergando.
É o que fazem 99,9% dos pais, nos primeiros meses dos seus filhos.
O site da PBS mostra como as crianças de menos de 1 ano enxergam (dê duplo clique no mouse sobre a barra vertical e vá descendo na figura da esquerda que mostra a visão do recém-nato até a idade adulta – espere alguns segundos até a figura se ajustar). É curioso notar como é muito menos do que a gente costuma imaginar.
Continuemos, no entanto, a nos esforçar: se os bebês não enxergam quase nada, pelo menos mostram estar curtindo a farra através dos outros sentidos (além disso, necessitam dela para se desenvolverem saudáveis, inclusive na parte psíquica).

15 de agosto de 2006

Ferro de Novo


Como vimos, a necessidade de administração de ferro para crianças pequenas deve ser individualizada.
Quem mais se beneficia do ferro suplementado?
Crianças com muito pouca ou nenhuma amamentação (principalmente aquelas a quem foi dado leite de vaca “puro” – não “de lata” – desde cedo).
Crianças em más condições sociais (pelos efeitos da dieta deficiente, não somente em ferro, mas também em outros nutrientes).
Crianças com verminoses (embora o efeito do uso precoce do remédio para vermes tenha efeito melhor do que a suplementação do ferro).
Interessante notar, então, que o status do ferro no organismo é um “marcador” das condições sociais e de nutrição: crianças “bem cuidadas” (usando um termo preconceituoso, que indica quase sempre melhores condições sócio-econômicas) têm pequenas chances de carência e, portanto, provavelmente terão mais a perder do que a ganhar com o uso de ferro.
* O uso dos sais de ferro (sulfato ferroso e outros) são mais úteis na prevenção de anemias severas do que na melhora de anemias leves (nestas, muitas vezes seus efeitos são menos evidentes do que as correções dietéticas).

11 de agosto de 2006

Algo Que Me Tira o Sono


Há duas principais correntes para explicar o bruxismo (o ato de ranger os dentes, principalmente durante o sono):
A dos que acham que se deva a problemas emocionais - como a ansiedade e a depressão - e a dos que acham que seja causado pelo desalinhamento entre os dentes.
(E há, é claro, os que acham que não é devido a nada disso).
Rigores científicos à parte, será fácil descobrir a causa com o passar de mais algum tempo.
Caso seja devido a problemas emocionais, só aumentará em incidência (por motivos óbvios).
Caso seja devido a problemas ortodônticos, praticamente se extinguirá, pois no futuro próximo só haverá dois tipos de bocas: a dos desdentados (ou pererecados) e a daqueles em que não haverá uma coroa em desalinho (coroa: parte do dente recoberta pelo esmalte, situada fora do alvéolo dentário – dicionário Larousse da Língua Portuguesa), pela elevada incidência de tratamento ortodôntico na população melhor aquinhoada.
O velho provérbio será, então, adaptado para:
Yo no creo em los brujistas, pero que los hay, los hay

8 de agosto de 2006

O Silencioso Estrago das "Rodovias"


Imagine que as nossas artérias são grandes rodovias que levam aos nossos rins, cérebro, olhos, etc.
Para o perfeito funcionamento destas rodovias, elas devem estar sempre limpas e sem buracos.
Acontece que há uma grande fábrica à beira desta rodovia: fabrica colesterol e triglicerídeos. Estes produtos, quando transportados pelos “caminhões”-LDL, vazam, e como são muitos - e pesados – caminhões, provocam buracos na estrada.
Além disso, um ou outro caminhão ainda tomba antes de chegar ao seu destino, produzindo mais estragos.
Desta forma, ao final de determinado tempo (alguns anos), a estrada corre o risco de ficar em péssimas condições, ou pior, parar completamente.
Felizmente, para que outras mercadorias essenciais (oxigênio, glicose, etc.) possam sempre chegar ao seu destino, existem os “limpa-rodovias”: os “caminhões”-HDL, que estão sempre muito ocupados com a limpeza, pois a fábrica costuma ser muito eficiente na produção.
E quanto mais colesterol e triglicerídeos a fábrica produz, mais ela contrata “caminhões”-LDL. E quanto mais caminhões, mais risco de sujeira e acidentes na estrada.
Como existe uma capacidade limitada de contratar “limpa-rodovias” (os HDL), só há uma solução para a manutenção da estrada por mais tempo: diminuir o fornecimento de matéria-prima para a fábrica.
Não basta, porém, diminuir o fornecimento da gordura e do colesterol. É preciso ainda diminuir o fornecimento de carboidratos, pois é matéria-prima igualmente útil para a fábrica produzir o colesterol e os triglicerídeos.
Uma das maneiras mais eficientes de ajudar o trabalho dos HDL é ir liberando relativamente pouca matéria-prima para a fábrica, a intervalos de tempo corretos (de 3 em 3 horas, normalmente). Isto faz com que os “caminhões”-LDL não andem abarrotados de colesterol, diminuindo vazamentos e acidentes, e ainda dá tempo dos HDL fazerem a sua função tranquilamente.

4 de agosto de 2006

Susto


Você descobre que aquela sua filhinha adolescente com carinha de anjo já está transando. O que você faz?
a) cai da cadeira
b) conversa tranquilamente com ela a respeito
c) primeiro cai da cadeira e depois, do chão, conversa tranquilamente com ela a respeito
O excelente site canadense AboutKidsHealth nos ensina que dentre todos os países do mundo, os que têm os menores índices de gravidez e doenças sexualmente transmissíveis são aqueles nos quais os pais admitem que os seus filhos adolescentes possam estar tendo atividades sexuais e aproveitam o ensejo para conversar com os filhos a respeito de prevenção de gravidez, das DST (doenças sexualmente transmissíveis), de relacionamentos abusivos, etc.
Fácil?
Não, certamente. Mas o mesmo site analisa que políticas “do avestruz” (meu complemento) como a adotada pelo governo americano em que se pede para que os adolescentes esperem pelo casamento na abstinência são irreais, e têm levado a resultados insatisfatórios.
Chama, ainda, atenção para a velha forma de raciocínio dos pais: “Se eu falar muito do assunto, vou estimulá-los a fazerem sexo”. Tudo bem, então não fale. Mas compre cadeiras reforçadas.

1 de agosto de 2006

Onde Não É Chamado



Não entendo nada de música, mas notamos, ao percutir as cordas de um violão, que a caixa do violão vibra como um todo.
Assim também acontece na cavidade nasal de crianças pequenas:
Quando há secreção nasal em grande quantidade, o ar entra “em rebuliço” por esta cavidade, fazendo com que sintamos que há secreção no peito quando na verdade não há.
E mesmo ao pegarmos a criança pelo seu tórax sentimos a presença de secreção ali, quando o que estamos sentindo são os roncos de transmissão do nariz.
Como diferenciar da verdadeira secreção “no peito”?
Através do uso do estetoscópio, percebemos quando o peito está limpo. Outra dica é a ausência de tosse, pelo menos da tosse “carregada”, principalmente em face de um nariz muito cheio de secreção (entupido ou escorrendo).

Secreção em lugares diferentes pede tratamentos diferentes. Secreção nasal, por exemplo, não tem quase nenhum benefício do uso de nebulizações.

28 de julho de 2006

Pica e Esconde


Um novo artigo do jornal Pediatrics chama a atenção para a dificuldade na aceitação do diagnóstico da chamada “urticária papular”. Não porque seja um problema sério, mas porque os pais relutam em aceitar que aquelas lesões de pele que vão e voltam na pele dos seus filhos tenham relação com picadas de insetos.
Os autores do artigo nos mostram que a dificuldade tem razão de ser.
Primeiro, porque muitas vezes os insetos não estão por perto. Podem estar na proximidade da casa ou na casa de um parente visitado, por exemplo.
Segundo, porque insetos como o percevejo (Culex, “chupador de sangue” – veja a foto - cuja população tem aumentado no mundo inteiro) às vezes não levantam suspeitas (mosquitos e pulgas são mais frequentemente acusados).
Terceiro, porque as lesões de pele muitas vezes não têm relação temporal com as picadas (as lesões podem ser reações tardias – até algumas semanas – às picadas, ou podem reaparecer pela picada do inseto em outros lugares do corpo, por circulação do “veneno” no sangue).
Isso tudo pode levar os pais a uma procissão a médicos e exames. Ainda mais porque nenhum dos tratamentos disponíveis (antialérgicos e corticóides) é “grande coisa” em termos de efeito definitivo. Pais devem ser levados a entender que as lesões têm um tempo de duração e que há melhora do problema com a idade (normalmente até pelo menos os 10 anos).
Mais uma daquelas coisas que “quando casar” sara (ha, ha, muito engraçado...)

25 de julho de 2006

Água Mole...


Sem insulina para transportar a glicose para dentro das células do corpo, nosso sangue se transforma em algo parecido com uma garapa.
Dentre as várias conseqüências adversas, vasos sangüíneos do nosso rim vão aos poucos se cristalizando, funcionando tão bem quanto uma “maçã do amor” (a maior causa do uso de hemodiálise é a parada do funcionamento dos rins causada pela diabete).
Hoje em dia sabe-se que mesmo as células do cérebro funcionam de forma diferente na ausência de insulina. Este seria um mecanismo importante de perpetuação da obesidade: pacientes com “insulina deficiente” teriam inclusive o apetite diferente das demais pessoas.
Um grande problema é que a instalação da diabete tipo 2 não dá aviso. Nenhum alarme soa quando judiamos da nossa insulina, com lautas refeições (pais que nos informam orgulhosos que os filhos “comem que nem um leãozinho” deveriam nos comunicar o fato pesarosamente) ou com inatividade física, uso de anticoncepcional, fumo, etc.: nosso pâncreas (a “fábrica” da insulina) é um órgão melindroso.

É claro que de novo o componente genético tem grande importância. Mas o que se percebe atualmente é que mesmo em quem tem este componente “fraco” termina por desenvolver a diabete.
Por isso, pais com histórico de diabete na família (quem não tem?): falem menos em comida e mais em brincadeiras, esporte, natureza, etc. para seus filhos.

21 de julho de 2006

Não Faz Isso, Filhão!


Comportamentos de risco em adolescentes não costumam ter, ao contrário do que se pensa, origem na desinformação.
Os adolescentes de hoje são, na média, muito mais informados que os de épocas passadas.
Por que, então, se colocam em situações de risco com tanta freqüência?
Em parte pelo fenômeno denominado otimismo não-realista, que nada mais é do que a “velha” maneira de pensar: coisas ruins acontecem com outros, não comigo (muitos adultos também pensam assim). É um mecanismo de defesa psicológico, talvez para que não vivamos em pânico.
Outro motivo é o de que a balança: prazeres imediatos X conseqüências a longo prazo costuma pender muito mais para o lado da primeira, também natural nesta fase em que parecem ter toda uma vida pela frente. *
Ainda: o desenvolvimento da autonomia, próprio da fase, se afirma justamente no desafio das autoridades (pais, professores, autoridades legais).
Além disso, a influência do grupo costuma ser importante (e tanto mais quanto maior for a ligação com o grupo).
Mudanças de tais comportamentos (sejam eles sexuais, de conduta, etc.) exigem que os pais exerçam autoridade sim, porém com respeito aos valores dos adolescentes e à sua autonomia, ainda que esta deva ser limitada pela razão.
(nota: muitos dos jovens que levam a vida perigosamente são portadores de problemas psiquiátricos – às vezes não diagnosticados – como TDAH, transtorno bipolar, transtornos de personalidade e de conduta).
* lembremos que estas características são dependentes da incompleta formação do lobo pré-frontal.

18 de julho de 2006

Tudo Que é Bom Pro Koala...


A imagem evocada é toda ela inocente: nossas mães, preocupadas, passando aquela geleinha gelada de cheiro forte nos nossos peitos quando estávamos pra baixo.
“Remédios” (notem as aspas) como O Vick VapoRub® * têm o enorme poder de atravessar gerações justamente por isto. São um símbolo. Símbolo dos cuidados maternos, símbolo de odor marcante. Mas que, na melhor das hipóteses, não servem para nada.
Analisemos dois dos principais ingredientes (outros, como mentol, óleo de eucalipto e petrolato são parte do fetiche):
Terebintina: sintetizado da resina do Pinus, usada como solvente de tintas e na fabricação de vernizes. Pode provocar, quando inalado, salivação, fraqueza, incoordenação motora, sangramento nasal, convulsões, irritação das mucosas respiratórias, tosse, esforço respiratório (que pode não ser aparente até após várias horas do uso).
Cânfora: “parente” da terebintina, originalmente extraído da canforeira, usado como repelente de mariposas, é o que dá a sensação de “geladinho” (juntamente com o mentol). É rapidamente absorvido e produz alterações no sistema nervoso que vão de confusão mental (por este motivo o Vick tem sido usado associado ao ecstasy, para potencializar o “barato”) até convulsões. Sintomas respiratórios vão desde irritação de mucosas até a parada respiratória. A FDA (Foods and Drugs Admnistration, órgão governamental americano em última análise responsável pela liberação das medicações para o mundo inteiro, faz mais uma “vistinha grossa”** para a comercialização de produtos com cânfora, embora “desencoraje fortemente” o seu uso).
E tem gente (muita gente) que tem a “coragem” (leia-se ignorância, claro) de usar produtos semelhantes, como o Transpulmin®, na forma de supositório (a mucosa retal, por irritação provocada por tais substâncias, produz e elimina secreção mucosa, semelhante ao “catarro do peito”, o que dá a aparência de que o “remédio” realmente funciona). E, mais: a Pfizer, outra tremenda multinacional, acaba de lançar nos E.U.A. um "aparelhinho de parede" tipo Baygon para que as crianças durmam felizes com seus narizes mentolados e canforados!
*Fabricado pela poderosíssima Procter & Gamble, que desde o ano passado (graças às nossas preocupadas mamães) teve força suficiente para adquirir a Gillette, e que, dentre outras marcas é detentora da Braun (produtos de higiene e cozinha), Duracell, Oral-B, Pringles e Tampax.
** Como qualquer órgão com este poder, a FDA, dizem, tem seus corredores abarrotados de lobistas (taí uma ótima profissão para o seu filho, caso ele tenha muito cérebro e pouca consciência).