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29 de dezembro de 2008

Cansado Cancioneiro

“... Muito dinheiro no bolso, saúde pra dar e vender!”
Quando alguém “puxa” a velha cançãozinha de fim de ano, fica fácil me localizar. Eu sou aquele do canto da foto, com olhos revirados e fingindo que canta, fingindo a maior animação.
Não, porque a música é péssima, a letra sem a menor sutileza poética, mas mesmo assim, um sucesso total (ei, quem falou em J Quest?).
Da minha parte acho um exagero.
“Algum dinheiro no bolso” estaria muito bom, até porque não anda tendo “muito dinheiro” para todo mundo pôr no bolso, né?
“Saúde”. Ponto. “Pra dar e vender” na minha idade já não tá dando. E depois, vou vender saúde como? Tirando da minha? Se é assim, deixa (eu já não estaria com “muito dinheiro no bolso”, mesmo? Pra quê mais?).
Chega de crítica.
Pra todos, então:
“Adeus Ano Velho, Feliz Ano Novo...”
(que coisa mais manjada!)

25 de dezembro de 2008

Repórter B_B_C_


Natal.
Até pra um simples blogueiro, essa obrigação. Incluir o Natal no assunto.
Então nos jornais, é assim: crime com Papai Noel, esportes natalinos, política, economia, tudo obrigatoriamente relacionada ao Natal.
Pra não fugir à regra (por quê?), dei uma garimpada em temas de saúde ligados ao Natal.
É de chorar.
Escolhi, então, uma notícia do site da BBC.
Não pela importância do tema, e sim pela cara de ... da repórter que, ao visitar uma típica família comendo uma típica ceia de Natal vai mostrando o quanto de sal a mais do que a recomendação diária se come à ceia.
Ceia devidamente atrapalhada pelo nutricionalmente correto, termina com a óbvia conclusão (cuja ficha só deve ter caído ao final da reportagem, mas daí vai assim mesmo):
“É claro que só se come assim uma vez por ano, mas serve para mostrarmos ...”
Ah, tá!...

(Felizes Festas a todos).

23 de dezembro de 2008

Rogai Por Nós


“Sssss... Tréssssss!”
Parece uma onomatopéia do bote de uma jararaca, ávida para despejar alguns ml do seu veneno na descuidada canela do visitante da mata, descuidado.
Talvez por isso o aportuguesamento (“estresse”) não pegou. É menos impactante. Dá menos sentido do estrago que promove.
Como já vimos, o cortisol é um hormônio que nos beneficia. É ele que provoca aquela “injeção de ânimo” que nos faz acordar dispostos para os desafios da vida. Isso pressupondo o viver num mundo equilibrado, com altos e baixos nos estímulos, preocupações, sufocos e demandas.
O estilo de vida atual (por motivos variados) bagunça este desejado equilíbrio. Deixa, por conseqüência, a glândula supra-renal (produtora do cortisol) mais perdida que ministro da economia (ela é, de certa forma, uma ministra da economia orgânica).
Aí é aquela coisa: tome cortisol no meio da madrugada (insônia, gastrite, dores de cabeça), e cadê cortisol no início do dia (depressão, desânimo, sonolência, mau humor, etc.). Seus níveis flutuantes, saudáveis, vão deixando de existir (inúmeras pesquisas recentes têm demonstrado).
Crianças: até naquelas em que os lares tenderiam a ser mais equilibrados (menos apertos financeiros, maiores facilidades sociais) há pragas modernas para afetar a produção do cortisol.
Exemplo?
Não me obriguem a falar. Vou dar apenas as letras iniciais (vídeo) e as finais (guêime)...

(quem gosta de temas adultos no cinema - meio raros nas locadoras – deve ver o filme “A Família Savage”, filme que aborda um problema pelo qual quase todos nós podemos ou devemos passar: o dilema de “quem-cuida-de-quem-quando–as-coisas-não-vão-mais-muito-bem” nas famílias. Assunto difícil, mas tratado com algum humor e muita sobriedade. No elenco, Philip Seymor Hoffman e Laura Linney. Não precisava mais ninguém. Sua locadora não tem? Então também não alugue Homem-Aranha!)

Dúvidas em relação à sexualidade do filhão? Calma, pode ser cedo demais...

19 de dezembro de 2008

Vara-Paus e Pedras


Pedras da indústria alimentícia e dos irados endocrinologistas picaretas devem ser endereçados ao site do British Medical Journal, não ao meu.
Em editorial recente, o nutricionista da Universidade de Glasgow de nome sugestivo (Lean, "magro" em inglês) chama novamente atenção para o fato de que a indústria propaga e vende (e vende muito) alimentos que teriam a propriedade de nos tornar “mais saudáveis” tirando isto ou colocando aquilo nas suas composições nutricionais.
Enquanto isso, vemos mais pessoas supostamente mais bem informadas, obesas e doentes.
“Efetivo e seguro” (veja bem “... e ...”!) para perda de peso – lembra o autor do artigo – “somente exercícios físicos, alguma restrição calórica e, em termos de medicação (ai, lá vai!), orlistat e sibutramina. Para os casos severos, a cirurgia bariátrica como último recurso”.


Verão chegando, prancha de surf à mão, tanguinha de crochêt (já passou da moda?) e uma triste constatação:
Nessa minha idade, quem não passa pela faca tem duas alternativas:
O viço da pelanca ou os penduricalhos da gravidade.

16 de dezembro de 2008

Carguinha Pesada


Um artigo recente no jornal francês Le Monde mostra que lá - assim como aqui – costumamos cavar nossos próprios buracos e depois nos queixamos da dificuldade de sair deles.
O artigo cita outro publicado por duas pediatras nos arquivos franceses de Pediatria dando conta da “clientela” dos serviços de urgências pediátricas.
São casos e mais casos de consultas “de rotina” (“falsas urgências”, então), que param nas emergências por vários motivos:
◊ desconhecimento da população do que é realmente uma emergência médica
◊ esgotamento dos serviços médicos habituais
◊ trabalho materno (o que facilita o acompanhamento das mães no horário noturno, “emergencial”)
◊ medicalização da puericultura: pais que, por buscarem seus pediatras nos menores problemas, sentem-se incapacitados para lidar com qualquer situação diferenciada
◊ facilidade de acesso ao serviço (residência próxima ao hospital)
◊ “impulsividade”: pais que tentaram isto ou aquilo (remédios caseiros, medidas aconselhadas por parentes, etc.) e que, de uma hora para outra, precisam resolver o problema da criança
◊ incapacidade das famílias de lidar com pressões e angústias, por menores que possam ser (típica dos tempos modernos)
◊ “consumismo”, que também se manifesta em serviços médicos
E aí é aquela coisa: pediatras esgotados (nem que seja por terem que repetir as mesmas informações) e mal-humorados, pacientes insatisfeitos (e algumas vezes agressivos), queixas administrativas (faltam profissionais que se candidatem ao trabalho, por motivos óbvios).
O que fazer? (é o que também pergunta o artigo)
Aguardamos as respostas.

Du Capeta

“Não mexa com o Machado”, avisou Mainardi. Quase que ia concordando. Mas a Globo mostrou que dá pra
relê-lo, modificá-lo. Claro que dá. Michel Melamed lançou vôo pro estrelato. Elephant Gun, a música, caiu como uma luva.

Sapatas Voadoras

Péra. Não me diga que o Bush não andou
treinando (a gestão inteira, ao que parece). Ninguém desvia tão bem do apreço popular dum dia pro outro.
Lula, vai
tu também treinando!

12 de dezembro de 2008

Pés No Chão

Num país composto majoritariamente por analfabetos (funcionais ou não), aculturados, preguiçosos intelectuais e telespectadores preferenciais (mas tá melhorando, devagarinho tá melhorando...), imagina a dificuldade de se fazer compreender.
Acontece conosco, médicos, como acontece em várias outras áreas.
O busílis é que muitas das vezes nem nos damos conta de que não estamos sendo compreendidos (ou, algumas vezes pior, estamos sendo mal compreendidos).
Quando, ainda por cima, os assuntos médicos mexem com a esfera íntima, sexual, então, aí a coisa fica feia.
Rótulo de sabonete íntimo, por exemplo. Tá lá no modo de usar (claro, é bom se certificar do modo de usar): aplique na região genital externa...
Cuma?
“Região genital externa”? Isso fica onde, minha filha?
Nunca me esqueço dum episódio ilustrativo do nosso abismo cultural no tempo de faculdade.
Durante a aula prática da matéria Sexualidade Humana (é, tinha aula prática disso, mas não era, como a princípio pensávamos, nenhuma sacanagem), uma de minhas colegas, algo pudica aparentemente, pergunta para a simplória paciente:
-Quantas vezes a senhora faz amor por semana?
-Como?
-Amor. Faz quantas vezes por semana?
-Hein?
A aluna olha para os lados, meio envergonhada.
-Quantas vezes a senhora transa por semana?
-Como assim?
Inconformada com o alheamento da pobre paciente, ela manda:
-Trepa, minha senhora! Manda ver, dá uma raquetada, espanta a coelhinha!...

(liberdade de imprensa é isso: qualquer coisa que eu escreva pra esse blog, o pessoal do conselho editorial aceita!)

9 de dezembro de 2008

Fraco Apoio


Doença reumática. “Reumatismo” (termo vago, mas citado na pergunta dos pais) é a dúvida em muitas crianças que se apresentam com dores em membros (pernas, sobretudo), dores tão comuns.
Mais do que a história do paciente e o exame clínico, o que parece fazer diferença na aceitação do diagnóstico pelos pais é o exame laboratorial.
Acontece que – como bem mostra comentário recente no jornal americano de reumatologia pediátrica – os dois exames mais utilizados para diagnóstico da doença reumática em adultos (fator reumatóide e anticorpo anti-nuclear) não servem para as crianças.
No caso do ANA (anticorpo anti-nuclear), por exemplo, é comum o resultado positivo em crianças perfeitamente saudáveis. Além disso, a maioria das crianças com artrite idiopática juvenil não apresenta fator reumatóide positivo (ao contrário dos adultos).
Daí é aquela coisa: confiança na palavra do médico (baseado nos dados de história e exame) e... ponto final.
Isso nessa época de super-valorização de exames!

Aumente o volume

Para uma criança pequena, um mero
pum pode ser uma experiência assustadora.

E aí, mudando inteiramente de assunto:

Quando um
gigante cai, o barulho é enorme.

2 de dezembro de 2008

Ramadão do Cartão


E, por falar em compras, você, no último sábado, aproveitou seu dia com as crianças e se meteu num shopping para a gastança do fim de ano, não foi?
Então perdeu a oportunidade (não chore, ano que vem tem mais!) de participar dum movimento crescente - mas ainda muito tímido – iniciado na França a cerca de 2 anos, o “Dia Sem Compras”.
Seus criadores têm a intenção de aproveitar a crise econômica mundial para criar uma nova consciência (contra tudo e contra todos): começa a haver menos recursos planetários, os grandes consumidores somos apenas 20% da população e, o pior da história, se de um lado esse consumismo todo escraviza países inteiros (218 milhões de pessoas abaixo dos quinze anos ajudam – e muito – a alimentar esta triste indústria), do outro, não tem servido para nos tornar mais felizes.
Você, que quer continuar com sua meia gorda neste Natal, dirá:
-De que adianta? Compraremos tudo no domingo, no dia seguinte...
É isso aí. Por enquanto é assim. E mesmo no sábado estacionamentos de shoppings e supermercados estiveram cheios.
Porém, tudo tem um começo.

28 de novembro de 2008

Caia Em Mais Esta


O que é que os fabricantes de aparelhos de ginástica estavam esperando?
Pais já se sentiam culpados há muito tempo. Vendo seus filhos se transformarem em peças do mobiliário, em frente à TV ou ao computador. Comprando tudo quanto é bobagem para eles comerem, à disposição, fácil, na despensa. Com muito pouco tempo para o parque, a praça, o passeio, com ou sem cachorro.
Então estava tudo montado para a nova atração a ser colocada na sala de ginástica:
Os aparelhos de fitness para criancinhas!
Chega de ar livre. Chega de sol. Ao inferno com imprevistos como caca de cachorro ou semáforos demorados.
Agora você não precisa mais disso.
Ajuste seu pequeno na geringonça, aperte bem os cintos e...
vá trabalhar tranqüilo, certo de que você é um(a) excelente pai (mãe).

25 de novembro de 2008

Viação Uru Bus


Olha a idéia de certos burocratas em cargos de direção escolar:
Alguns pais de uma determinada escola da região começaram a aparecer com pedidos de tipagem sangüínea.
Para quê?
Porque (segundo os pais foram informados pela direção) seus filhos irão fazer uma excursão escolar e, no caso de algum acidente com o ônibus que os levará, já estarão todas as futuras vítimas ali, devidamente fichadas, tipadas, esperando pela provável transfusão sangüínea, que deverá salvar suas vidas.
Não sei quanto a você, mas eu já por precaução não deixaria meus filhos irem.
Se nem em viagens internacionais para destinos tão perigosos quanto, sei lá, o Iraque por exemplo, se pede coisa assim...
É muita urubulinização!
Ou falta do que fazer.
Só para esclarecer:
Tipagem sangüínea não serve para nada “de véspera”.
Em caso de uma fatalidade como a que a escola já foi preparando os pais (“ribanceira abaixo, mas devidamente tipado” poderia ser o mote da viagem) as vítimas devem ser tipadas na hora (se há laboratório para transfusão de sangue há também para a tipagem e a prova cruzada: a verificação de compatibilidade entre sangue de doador e de receptor), mas...
Quanto pessimismo para uma excursão, hein?
Já pensou se a moda pega?
(Uma outra idéia seria a de cada aluno já levar sua bolsa de sangue de casa, na lancheira).

Qual a semelhança (e a diferença) entre o pediatra e o psiquiatra?
Os dois, de vez em quando, apanham de seus pacientes.
Só que no caso do pediatra, a surra costuma ser menor.

20 de novembro de 2008

Foie Gras "Voluntário"


Ouvimos, muitas vezes, sobre “doenças novas”.
Claro que na maioria das vezes as doenças não são propriamente novas. Já existiam. Apenas o conhecimento apareceu com o desenvolvimento científico.
Não é o que ocorre com uma condição (não necessariamente uma doença) chamada esteatose hepática.
A esteatose hepática – ou fígado gorduroso - é o resultado “visível” da ingestão excessiva de alimentos, típica da vida moderna.
Curiosamente, é o equivalente humano do famoso patê foie gras, obtido pela cruel engorda forçada do ganso, como explica o endocrinologista Henrique Suplicy na página da ABESO.
O fígado é um órgão essencial para o metabolismo humano. É mais importante do que se costuma imaginar para várias das funções orgânicas. Então, como se pode deduzir, muitos desses fígados transformados em verdadeiros patês vão deixando de funcionar, com conseqüências que vão da piora da diabete tipo 2 – associada aos indivíduos obesos - ao grave câncer do fígado.
E, ainda que possa parecer uma entidade rara, apenas mais uma curiosidade, o número de pessoas afetadas poderia chegar a alarmantes 30% da população adulta. Os fatores complicadores são o diagnóstico difícil (não há um exame único específico para a esteatose e os sintomas iniciais são muito vagos) e o tratamento controverso e igualmente difícil (visto que é uma condição justamente “nova”).
Obs.: já há na literatura médica relatos freqüentes da esteatose mesmo em crianças.

18 de novembro de 2008

Na Moral


O problema da violência escolar é daqueles que parecem não ter solução à vista até que a sociedade repense todo um sistema.
Da experiência de longos anos em bancos de escola, acho particularmente que para que eu prestasse atenção em qualquer tipo de aula precisava:
● estar saudável (fisica e psiquicamente) e bem alimentado (o que já tem sido muito, muito complicado em muitas áreas do nosso país)
● ser tratado com respeito
● saber o que é uma mínima disciplina* (e isso já deve vir de casa)
● achar o assunto abordado minimamente interessante ou, pelo menos, com alguma importância para a minha vida pessoal ou profissional
Um grande busílis (gosto de palavra, ué!) é que não deveria ser só eu a preciso preencher estes requisitos. Meus colegas também. Alunos conscienciosos, educados e interessados têm tido necessidade crescente de conviver com outros provenientes de lares menos, digamos, ajustados. É quando problema do outro passa a ser também meu.

* Para quê serve uma escola nos dias de hoje? Para:
a) aprendizado. Para isto há veículos mais modernos e tão ou mais eficientes (televisão educativa, internet, livros, etc.)
b) convívio social. Tampouco, também. Muito melhor um banco da praça, um banquinho dum bar, ou o sofá da sala.
c) disciplina e respeito às regras sociais. Alternativa correta. Não a disciplina exagerada, militar. Mas uma disciplina saudável, de aprendizado de convívio pacífico em sociedade. Por isso vejo com reservas o movimento do homeschooling.

13 de novembro de 2008

A Doença Afetou o Meu Cérebro


Muitas vezes, quando caímos de cama, o que na realidade pode estar acontecendo é uma clara mensagem do nosso organismo:
“Ei, cara! Diminua aí esse seu ritmo! Relaxe!”
Muitas das doenças com a chamada base psicossomática, ou seja, doenças em que o componente emocional está de alguma forma envolvido (você conhece muitas em que o emocional fique de fora?) nos pegam pelo contrapé, quando estamos na famosa “roda viva”.
E uma das coisas que estas enfermidades nos forçam a fazer é diminuir o ritmo: doentes, temos que nos alimentar devagar, repousar mais, curtir o colinho dos que nos são importantes.
Convalescentes, temos duas opções: entender o recado* e manter o ritmo desacelerado ou esperar pela próxima pane na máquina (que, em alguns casos, pode ser até a definitiva – cruzes!)
* E por que costumamos, passado algum tempo, cair nos velhos maus hábitos?
Porque fomos construídos pra esquecer as más experiências. Temos inata – embora nem sempre admitamos - a capacidade de pensar positivamente, de achar: “Foi só daquela vez, mas agora tá tudo bem!”.

11 de novembro de 2008

Olhos Abertos vs. Rabos Presos


Qual é o método padrão de atualização médica?
Duas são as formas principais: 1) congressos e correlatos (simpósios, jornadas, etc.) e 2) revistas ou jornais médicos.
Se você já viu algum congresso médico em algum lugar, certamente reparou que ali tudo é patrocinado: do cafezinho à caneta, da pasta aos professores convidados (muitos deles constantemente viajando dum congresso a outro).
Quanto aos jornais e revistas (incluindo-se aí os da Internet), mesmo nas publicações mais respeitadas por médicos do mundo todo, mais de 80% dos artigos são diretamente subvencionados pelas grandes indústrias farmacêuticas (ou por indústrias de materiais médicos).
É uma realidade que parece não ter mais volta. É aquela história de colocar o vampiro pra tomar conta do banco de sangue.
E em meio a esse imbrólio de médicos e pesquisadores profundamente comprometidos com propostas terapêuticas que puxam a brasa para a sardinha de seus respectivos patrocinadores (empregadores) e pacientes vítimas de tratamentos, exames, medicamentos, cirurgias “da moda” estão os clínicos que ou cedem à pressão da mídia médica (fortemente apoiada pela mídia leiga, também ela frequentemente comprometida) ou tentam se manter de consciência limpa enquanto mantêm os olhos bem abertos para os chamados “conflitos de interesses” de toda turma citada acima.
Por essas e outras (e como há outras!) é que, por exemplo, o preenchimento de vagas para médicos de família recém-formados nos Estados Unidos caiu para menos da metade nos últimos 8 anos.

7 de novembro de 2008

Pés Lisinhos? Pulmão de Fumante

Nós, médicos (os chatos), e pediatras principalmente (mais chatos ainda) costumamos ficar indignados ao ver jovens fumando.
Informação sobre os malefícios é o que não falta (ou não faltaria) para que não fumassem.
Mas... tão lá eles! Louquinhos para encurtar suas vidas, cheios de informação.
Cabe a pergunta: por que não param (ou por que começam, em primeiro lugar)?
Pelo menos parte da resposta é sugerida pelo editorial recente do jornal médico British Medical Journal:
De acordo com os autores, os jovens não costumam se enxergar como fumantes vitalícios, para a vida toda. Por isso, parar de fumar não é uma prioridade para eles. Resulta daí que programas objetivando o abandono do vício são vistos como algo para os mais velhos, os “verdadeiros viciados”.
Embora não apresentem soluções que sabidamente funcionem, recomendam o respeito e a ausência de pressão como medidas mais sensatas para lidar com a moçada.
Minha impressão pessoal é a de que muitos jovens com tendências à liderança nos grupos são por natureza transgressores (“mandam no próprio nariz”, não dão tanta importância à autoridades). E nisso tentam ser copiados pelos outros, criando um ciclo de transgressões e desafios aos conselhos e advertências.

(pra mim, funcionou: ver de pertinho – e palpar – na faculdade, a diferença entre os pulmões de fumantes e não-fumantes. Visualmente já impressiona. Na consistência, então... Os dos não-fumantes dão a impressão duma esponja, com pouco de água nela, ricamente aerados. Os dos fumantes, pelo depósito de alcatrão – muito bom pras rodovias – têm consistência pétrea. Isso mesmo: pedras-pome tentando absorver oxigênio!)

3 de novembro de 2008

Vaca Preta


Ainda na questão “preocupação materna com leite de transição – ou de complemento - após o desmame (após o sexto mês)”:
As notícias recentes sobre adulteração do leite têm preocupado as mães.
Embora o que acontece nas indústrias seja para nós, mortais, uma verdadeira “caixa preta”, aparentemente não corremos grandes riscos.
Duas substâncias têm sido comentadas
1ª) Água Oxigenada (H2O2): não que queiramos que as indústrias deliberadamente mexam na composição do nosso bom e velho leitinho, principalmente com a nada nobre intenção do lucro inescrupuloso. Mas, interessante, água oxigenada (não contem a ninguém), em pequena quantidade deve até fazer mais bem do que mal!
Nossas células de defesa produzem água oxigenada como arma química para destruir agentes invasores (vírus, bactérias e fungos). Aquelas borbulhas que você vê se formando quando se aplica água oxigenada em feridas contaminadas vêm da destruição das bactérias (com eliminação do O2).
Além disso, bactérias “do bem” (bacilos) presentes no intestino e na vagina produzem água oxigenada com o propósito de destruírem bactérias “do mal”, causadoras de doenças.
Oba! Então vamos tomar água oxigenada 10 volumes!
Calma! Tudo depende de proporção (ou quantidade), tá?
A quantidade adicionada nas adulterações (garante a Anvisa) não tem como fazer mal, justamente porque se a proporção fosse muito grande, daria para notar no gosto do leite.
2ª) Soda Cáustica (NaOH): De novo, não se empolguem, soda cáustica é extremamente corrosiva para mucosas (revestimento do aparelho digestivo), por isso deixem ela lá, guardadinha no fundo do armário trancada a sete chaves.
Na proporção em que se usa para adulteração (claro, crime!), entretanto, não causa nenhum problema (o que pode, sim, é criar um bom sabão – veja a experiência).
Portanto, mamães:
-Salute!

31 de outubro de 2008

Exagerado


Lembra da música do Cazuza:
“Nossos destinos foram traçados na maternidade”?...
Pois é.
Ao que parece, mesmo antes disso.
É o que mostra um estudo do ano passado sobre a relação entre a idade da menarca (1ª. menstruação) materna e peso do seu recém-nascido.
Quanto mais cedo a mãe menstrua, mais pesado deve ser seu filho nos primeiros anos de vida (veja o gráfico: linha de cima, peso dos recém-nascidos cujas mães tiveram menarca aos 11 anos ou menos; linha de baixo, peso dos recém-nascidos de mães com menarca dos 15 anos para frente: metade do tamanho, em média).
E mais: normalmente o traço genético de desenvolvimento sexual (menstruação) precoce passa de mãe para filhos. Então não é só peso maior. É também maturação sexual mais precoce dos filhos.
Maturação sexual precoce quase sempre significa tamanho maior na infância e altura final menor no final do crescimento (pelo “fechamento” mais precoce das placas de crescimento ósseo).
(não puxe briga com essa tal de genética!)

28 de outubro de 2008

Feiiinho... Mas com Saúde


Mais uma diversão para quem não tem nada mais para fazer:
Juntar traços fenotípicos (a cara, vai! – mania de médico falar difícil) de duas pessoas que estão pensando em expandir a família (expandir a família não é passar a semana comendo pizza – é, segundo consta nas escrituras, ter filhos). No virtual, antes do “ao vivo”. É o programa MakeMeBabies, disponível na Internet.
E, assim como nos fantásticos mistérios da genética (que muitas vezes combina pais que brincaram de foice no escuro – eufemismo para pais feios que fizeram amor – e tiveram como resultado belos pimpolhinhos), aqui também a brincadeira pode produzir frutos inesperados. Com a vantagem de – ao contrário do que acontece na maternidade – ainda render boas gargalhadas.
Tentei, por exemplo, um filho com a Angelina Jolie e... sabe que eu emprestei belas características pro nosso baby (quem sabe ela não se empolga?).

24 de outubro de 2008

O Dito pelo Contradito


Interrompa o seu café e preste atenção na seguinte notícia:

“Tomar café tira, em média, 15 anos da sua expectativa de vida”.

Calma! Não se engasgue ainda.
Agora leia outra:

“Você irá viver o quanto tiver que viver, beba montes de café ou não”.

Tem dúvida de qual a notícia mais impactante? A que irá vender mais revistas? A que fará o cientista que relatou a descoberta mais famoso e conhecido?
Então. Pouco importam as intenções ou falhas metodológicas. O que tem importado é, antes de tudo, vender, criar polêmica, vender, criar status, vender, chamar a atenção, vender...
Não é à toa que vemos a cada semana bobagens e mais bobagens sendo ditas sobre ciência e saúde.
E o incrível é que, ao contrário dos políticos - de quem não acreditamos em nada do que nos dizem - quando se lê ou ouve sobre “novidades” na área científica tendemos a ser extremamente crédulos (mesmo que a novidade da semana desminta a novidade da semana passada).
Artigo recente do (até onde se sabe) independente site PLoS Medicine cita a incoerência: dos 49 artigos médicos mais citados de 1990 a 2004, em ¼ dos randomizados (a metodologia menos sujeita a erros) e 5/6 dos não-randomizados foram ou contraditos ou considerados exagerados.
É muito papel rasgado.

21 de outubro de 2008

Primeiro: Pique (Depois, Verifique)


Nós com nossa desesperada mania de tentar tratar ou prevenir tudo, continuamos vendo bumbunzinhos sendo espetados anualmente para prevenir gripes.
O resultado dessa “espetança”?
Como mostra recentíssimo artigo de um dos jornais de pediatria mais conhecidos, talvez esteja servindo para pouca coisa (além de engordar cofres de laboratórios farmacêuticos).
O que o artigo mostra em primeiro lugar é a baita dificuldade de se comprovar a eficácia da vacina (neste estudo, foram incluídas 150.000 crianças, mas o diagnóstico laboratorial da gripe – infecção pelo vírus influenza – foi de apenas 400 casos em 2 anos, entre vacinados e não vacinados; ou seja, ainda com um número tão grande de crianças estudadas, imprestável para qualquer análise estatística definitiva).
O que chama a atenção (quase que de forma escandalosa) é a não coincidência de cepas (tipos de vírus) contidos nas vacinas e dos casos diagnosticados: num ano, apenas 11%, noutro, 36%. É muito pouco!
Além disso, uma outra grande dificuldade é a grande variabilidade geográfica do vírus (não esqueça que o vírus da gripe – como muitos tipos de vírus - é altamente mutante).
Uma das conclusões do artigo: “Há a possibilidade de que a vacina seja menos efetiva em crianças”.
Ah, tá!...
Então por que continua sendo feita?
Particularmente acho que mais pela sensação de “consciência tranqüila” dos pais e médicos (aquela coisa do “já que tem, deve servir pra alguma coisa, vamos fazer”).

16 de outubro de 2008

Conspiração


A queixa de muitos pacientes obesos é:
-Mas eu “me mato” de tanto malhar, e continuo obeso!
Em muitos casos pode ser mesmo uma verdade.
Vamos tentar esclarecer um pouco do busílis do gasto calórico do obeso:
O gasto de energia (calorias) de qualquer pessoa que se exercite (em qualquer idade) é dado pela somatória do gasto do exercício formal (como andar, por exemplo), que corresponde a cerca de 1/3 (é isso mesmo, apenas um terço!) das calorias gastas em atividade no dia mais 2/3 de outras atividades que mal são percebidas pelo indivíduo (como estar de pé ou sentado – o que gera gasto energético pela simples manutenção da postura – ou atividades rotineiras de casa ou do trabalho).
A “maldade” com o obeso é que nesta parte dos 2/3 restantes (exercício “não-percebido”, digamos) o componente genético é que é quase o único responsável pela diferença.
Não adiantaria muito o sujeito obeso tentar ser mais “agitado” nas atividades rotineiras. Só serviria para criar mais ansiedade (em pessoas que já têm tendência a se defrontar com situações criadoras de ansiedade). Além do mais, é o gasto metabólico (“programado” pelo organismo desde o nascimento) com estas pequenas atividades que faz a diferença, não as atividades em si.
Qual é a “saída”?
Claro: mais exercício formal (andar, bicicleta, natação, etc.). Embora se saiba que em muitos obesos haja certa aversão natural - ou menor aptidão - aos exercícios. São poucos os que conseguem ter ânimo suficiente para – entendendo e aceitando esta chamada “conspiração metabólica genética” – aumentar a carga dos exercícios (sem “descontar na comida” e dentro dos limites da saúde) para compensar estas diferenças.
Complicado, não?

14 de outubro de 2008

Uníssono


Não vamos pôr mais lenha na fogueira da já laboriosa maternidade. Melhor ficar ao lado da mãe nos seus temores e apreensões.
Mas uma pesquisa mostrou a relação freqüente entre a alteração do humor (neste caso, a depressão) materna e a quantidade/qualidade do sono dos seus lactentes: mães depressivas (antes da gravidez ou mesmo naquelas em que a depressão é “gestacional”) costumam ver seus bebês com dificuldades para dormir – e com menos horas de sono.
Filhos dormindo pouco, menos sono por parte das mães. Mães dormindo pouco, maior tendência às suas alterações de humor.
Eleitas

Caminhando cabisbaixo (hábito dos circunspectos) pelas ruas do centro de Curitiba, noto pequenos “santinhos” espalhados pela calçada. Saltam aos olhos não a cara do político (nem seu coração, visto que raramente o têm). Mas um par de vistosas nádegas em calcinhas rendadas. Abaixo um telefone da fulana – que provavelmente usou dublê: também elas não devem cumprir o que prometem.
Como chamar esta nova instituição? “Putinhos”? “Santinhas-do-pau-ôco”? (Sem ofensa...)

10 de outubro de 2008

No Nosso


-E aí, doutor, é menino ou menina?
-Nem um nem outro. Dessa vez foi só uma vesícula.

O que poderia parecer piada é a nova modalidade cirúrgica que está provocando salivação nas grandes indústrias de materiais endoscópicos (a poderosa japonesa Olympus é uma delas) e nos cirurgiões ávidos por novidades – nem sempre em benefício do paciente.
Ainda em fase experimental, a cirurgia chamada de transluminal por orifícios naturais (NOTES, sigla em inglês) quer reparar (ou retirar) quase todos nossos problemas através dos nossos, digamos, “buracos” (boca, ânus e – acredite – vagina!).
Já há relatos de biópsia de fígado, retirada do baço, de apêndice, de ovário e de vesícula em animais (cães). Claro que um ou outro morreu logo em seguida. Detalhe. Até agora nenhuma família canina processou os médicos envolvidos.
Mas (pasmem!): seres humanos têm se submetido. Awilda Sanches, fisioterapeuta americana teve sua vesícula biliar retirada via vaginal (difícil imaginar por que caminhos, não é?) com a nobre finalidade de “usar um biquíni sem ter que se preocupar com a cicatriz”(!).
Gente, é claro que a nova modalidade deverá ser útil (por exemplo, em pacientes muito obesos, nos quais os cortes e cicatrizes são um grande atrapalho para cirurgias convencionais).
Mas cirurgias convencionais são feitas pelo menos desde os tempos napoleônicos e, embora devamos nos modernizar, procedimentos cirúrgicos envolvem riscos. Neste caso, riscos novos e desconhecidos (e pior, não estudados).
Portanto, você que me lê neste momento, seria muito sensato em não se submeter a nada parecido neste seu resto de vida.

7 de outubro de 2008

Na Alergia e Na Tristeza


Um detalhe descoberto recentemente sobre alergias:
Digamos que você tenha, por exemplo, alergia a amendoins (comum).
Num determinado dia, você come o amendoim e... nada.
Noutro dia, você come o mesmo amendoim (não, na verdade o mesmo não, pois aquele você já tinha comido) e depois, digamos, sai para fazer um jogging ("jogging" é horroroso, termo derivado do inglês, prefiro "cooper").
Neste dia, você (é só um exemplo, espero que não seja você) tem uma reação anafilática (reação anafilática é basicamente um reação alérgica grave, com risco de morte).
Isto porque alguns fatores orgânicos facilitadores de processos alérgicos (como a atividade física mais intensa, que redistribui toda a circulação sangüínea) se somam para causarem seus efeitos.
Além da atividade física, outros possíveis fatores são:
● combinação com outros alergenos (alimentares, medicamentosos, etc.)
● infecções
● stress
● ingestão alcoólica
● menstruação
etc.

3 de outubro de 2008

Mar de Bolhas


Vou acabar com um ganha-pão (ou pelo menos, um ganha-biscoito, ou um ganha-cafezinho) pediátrico:
-Afinal, estas “bolhinhas” que eu estou vendo na pele do meu filho são ou não lesões de catapora?
A varicela (ca-ta-po-ra para os índios) tem como característica marcante a presença de lesões centrífugas, ou seja, iniciam-se no centro do corpo (tórax e abdome) e pouco mais tarde aparecem nas extremidades (braços, pernas, face).
Além disso, já no início das lesões (que aparecem rapidamente*) há vários estágios evolutivos: em algumas áreas são “feridas”, em outras pequenas bolhas (vesículas) translúcidas.
Outra dica: quando há lesões em couro cabeludo – em áreas de muito cabelo (coçando muito) - associadas a outras partes do corpo, quase sempre é sim, varicela.
O problema mais confundido com a varicela são as picadas de inseto, que normalmente aparecem em áreas expostas do corpo da criança (punhos, mãos, “canelas”, face e região da cintura – áreas que a criança descobre quando se mexe durante o sono).
* Quando os pais ligam perguntando se as poucas bolhinhas são de varicela, além das características acima, costumo dizer: “Espere cerca de 12 horas. Se o número de lesões aumentar muito, quase com certeza é varicela”.

30 de setembro de 2008

O Chocolate Também*


*(É Inocente)

Pois é.
Seguindo a linha do fornecer álibis a falsos culpados, precisamos redimir outro amigo número um (tido com freqüência como inimigo): o chocolate.
Quando isto acontece?
Nas lesões de pele das crianças pequenas provocadas por picadas de inseto, a urticária papular.
A história é quase sempre a mesma:
-Tá cheio de pipoquinha na pele, que fica coçando.
(Sadicamente já tenho perguntado qual a desconfiança da causa)
-Acho que é o chocolate.
Não é. De longe, a causa de lesões tipo “pipoquinha” em regiões tropicais é picada de inseto (pernilongos e pulgas). O diagnóstico é facilitado pela localização: áreas expostas (canelas, punhos, cintura, face), principalmente quando a criança está dormindo.
Então, deixa o chocolate quieto.
Mas tem mãe que é insistente.
-Mas será que não foi o chocolate?...
Pode. Por exemplo, se a pulga comeu chocolate.
Ou se a criança comeu um chocolate onde havia pulga.
Ou... Deixa pra lá.

26 de setembro de 2008

O Cachorro é Inocente (Culpado é o Mordomo!)

Você pode ou não ser amigo dos cães (já que nós somos incondicionalmente seus melhores amigos).
O que não se pode é culpá-los de problemas de saúde dos quais eles não são culpados.
Dentre as doenças frequentemente citadas, em três delas a cachorrada pode escorregar de fininho do banco dos réus:
1º) sarna: o “bicho” (ácaro) que causa a sarna canina é normalmente diferente da que causa sarna humana.
2º) micoses: ainda que o fungo Microsporum canis (encontrado também nos gatos) possa sim causar micoses em seres humanos, a causa mais comum das micoses são de longe contatos entre humanos (e preferencialmente em determinadas situações que as favoreçam como climas quentes, excesso de roupas, umidade e maceração da pele, etc.).
3º) alergias: estas mais ainda costumam ser injustamente imputadas aos cães. Pêlos de animais são “depósitos” de alérgenos como os próprios ácaros, mas o significado clínico da presença dos pobres cãezinhos no ambiente domiciliar costuma ser desprezível.

23 de setembro de 2008

Por Mim Não Sofra


Esta foto que você vê acima foi motivo de acalorado debate no blog de saúde do New York Times há alguns meses.
Por que?
Porque a jornalista responsável (Tara Parker-Pope, curiosamente não exatamente uma “magrinha”) primeiramente publicou a foto de uma cena familiar, mas principalmente porque comentou que a cena retratada era “triste”, em virtude da menina de 5 anos ser obesa.
Réplicas agressivas pipocaram sobre a cabeça da moça.
Situações como estas retratam, mais do que a polêmica recente sobre os perigos da obesidade na infância, a delicada questão das diferenças.
Quase todos de vez em quando fazemos o difícil exercício de nos colocar no lugar dos outros. Ao fazê-lo, imediatamente opinamos sobre se estão em posição melhor ou pior do que a nossa. Quando não os invejamos, no entanto, deveríamos manter essa opinião pra nós mesmos.
Tempos de politicamente correto.
É lógico que dá pra entender os motivos da jornalista. Motivos que, aliás, ela expressou, mas que não a aliviaram.
O bonito da coisa é que não conseguimos adivinhar nada da alegria ou da tristeza dos outros através da nossa opinião. É só uma opinião. E muito nossa.

19 de setembro de 2008

Nebulização? Pro Nariz, Não!


Informação boa – modéstia à parte – é assim, auto-explicativa já no título.
Então, só pra reforçar:
Fazer nebulização (com soro fisiológico ou, pior ainda, com substâncias aromáticas ou voláteis) pra aliviar sintoma de obstrução nasal não resolve.
Em crianças, o que ajuda (resolver, resolver, é meio difícil) no nariz trancado é o uso do próprio soro fisiológico instilado (generosamente, quase que à maneira dos yogi).
Quanto?
Cerca de ¼ do conta-gotas que vem nas embalagens de medicações como o Sorine infantil (ou Rinosoro) em cada narina.
A dica é: use na primeira vez o “de marca” (que vem com benzalcônio – cuja função é totalmente questionável e deve ser “aposentado” num futuro próximo - na fórmula), não jogue fora o frasco e reaproveite o conta-gotas para usar com soro fisiológico puro (comprado em frascos, mais barato).
Um medo dos pais é:
-Como assim? Vai pra onde esse soro todo?
Passa pela cavidade nasal e vai ser deglutido, sem problemas, mesmo em crianças bem pequenas (não vai pro cérebro, não vai pra traquéia!).
Dá pra usar e abusar (e deve, quando a obstrução nasal é muito incômoda).
-E os “soros” em spray?
Faça a experiência: veja o volume de soro que entra na narina a cada jato. É muito pequena!

Do Peito à Mesa

Tudo bem que pediatra é meio fanático pelas mil e uma propriedades do leite materno.
Mas não me convidem para almoçar no restaurante do chef suíço Hans Locher (ou seria apenas “Loch”?), que inventou de fazer pratos sofisticados à base do ingrediente.
Isso mesmo: carne de antílope ao molho de conhaque e leite materno, curry com leite materno, etc!
Locher solicitou doações pelo jornal e choveram doadores.
A vigilância sanitária de Zurich, no entanto, vetou a maluquice.
Mas por via das dúvidas, ao visitar a Suíça, é bom aprender como se escreve “leite materno” em italiano (latte della madre), francês (lait maternel) e alemão (mütterlichmilch).

16 de setembro de 2008

O Paraíso é Ali

Já deu muito pano pra manga uma longa pesquisa realizada pela psicóloga Robin Simon na Universidade da Flórida, com mais de 13.000 americanos.
Dentre as repercussões, estão um artigo de julho na Newsweek e no programa Saia Justa da semana passada (Saia Justa é aquele programa do canal GNT em que quatro mulheres inteligentes discutem assuntos da maior relevância - enquanto fazem seu crochê).
Diz a pesquisa: ao contrário da crença habitual, casais sem filhos costumam ser mais felizes do que papais e mamães.
Um grande motivo para isto, diz o artigo da Newsweek, seria o nível de pressão a que os pais de hoje estão submetidos.
Ambos (pai e mãe) atualmente têm que trabalhar fora. Contam com menor suporte familiar (dos avós, tios, etc.). Além disto, as exigências em termos de educação e saúde são maiores (afuniladas). Isso sem falar nos gastos: criar uma criança americana até os 17 anos pode significar um gasto de perto de meio milhão de reais, cita a revista.
Carreiras, diversão, intimidade do casal são outros importantes obstáculos.
Sei não.
Pais e mães são “entidades” diferentes umas das outras, inclusive quanto à satisfação com o fato de serem pais ou mães. É complicado tratá-los agrupadamente. Há fases mais ou menos receptivas à maternidade e à paternidade.
Filhos também, são uma “caixinha de surpresa”. Serão alguns deles fonte de grandes trabalhos, incômodos, preocupações. Bem como alegrias, cotidianas surpresas e indisfarçável orgulho. Tudo isso difícil de quantificar.
Muitas vezes, quando os filhos vêm, já é um momento em que a relação do casal está “em baixa”, já andam ambos algo insatisfeitos.
Talvez casais sem filhos sejam apenas mais otimistas (ou menos “reclamões”) em relação ao que sentem.
O que eu acho, sinceramente?
Perguntar para uma pessoa se ter filhos a faz mais ou menos feliz é como pôr a culpa duma tremenda indigestão numa simples azeitona.

12 de setembro de 2008

Critérios


Na primeira frase da música “Thank U” de Alanis Morissette (muito bonita, por sinal), ela pergunta:
“Que tal nos livrarmos desses antibióticos?”
É claro que ela, inteligente como é, não quis dar a entender que não deveríamos nunca mais usar antibióticos. O que ela condena na letra é, muito provavelmente, o seu uso abusivo (bem como o “se entupir” de comida, ou o fato de não aproveitarmos nosso tempo de vida de forma plena).
Numa eleição realizada com mais de 11.ooo votantes desde o ano passado pelo British Medical Journal, os antibióticos só perderam para as melhorias das condições sanitárias como o grande avanço na saúde desde 1840. São, inquestionavelmente, nossos aliados para uma expectativa de vida mais longa.
Então, por que a “bronca”?
Quando imagino a prescrição de antibióticos pelos médicos, uma metáfora muito utilizada para os cigarros costuma me vir à mente. Aquela de que a definição de cigarro é uma fumaça numa ponta e um idiota na outra. Pois bem, muitas vezes a mesma definição poderia servir para a caneta do médico! Porque o que faz mal não é sua utilização, mas o se utilizar para quase qualquer paciente de forma quase indiscriminada (bem como o uso de antibióticos muito potentes para infecções banais).
Além dos critérios – nem sempre consensuais ou fáceis de serem observados – há muito da arte médica na sua utilização. Além disso, sua necessidade varia de região para região, de serviço para serviço. Há, porém, que se ter em mente que crianças (de um modo geral), principalmente crianças pequenas e saudáveis (a grande maioria da população pediátrica, felizmente) precisam muito pouco de antibióticos. E que, cada vez que se utilizam deles, passam a ter uma flora bacteriana mais agressiva, mais suscetível de causar novas doenças.

9 de setembro de 2008

Faz Parte do Meu Show


Tem algumas dicas que, embora sejam muito proveitosas, ninguém lembra de nos dar.
Não comer salada de repolho no primeiro encontro, por exemplo.
No que se refere à consulta das crianças pequenas, há dois detalhes importantes.
1) Evite dizer aquela famosa frase:
“Não vai doer nada”
Porque, ainda que isso não tenha sido testado cientificamente, o que ocorre na cabecinha da criança se parece com a história do eco:
“Não vai doer nada”
“Vai doer nada”
“Vai doer”
“Doer, doer, doer...”
2) Outra:
Sabe aquele “show”: choro, berro, roupas rasgadas, vômito pra todo lado, chutes no médico, etc?
Desde que esta “criancinha” não tenha já, sei lá, vinte anos de idade, não vai adiantar nada sair do consultório a recriminando. Tipo “Que Feio!”, “Não vamos mais levar no parquinho”, esta sorte de coisas, que me parece que são ditas mais como uma forma de se desculpar com o pediatra.
Se a intenção – louvável, diga-se de passagem – é educar, deixe quieto. Faça de conta que nada aconteceu. Do contrário, a criança será reforçada no comportamento negativo.
Saber se comportar, ter tranqüilidade com estranhos – mesmo que este estranho seja um pediatra assustador (vide foto!) – se aprende em casa, com pais carinhosos e sensatos.
Mesmo assim, um ou outro show faz parte do “negócio”.

5 de setembro de 2008

Nossa, Como Você Está Pálido!


Por que será que quando ouvimos uma frase dessas a nosso respeito costumamos ficar tão preocupados?
É justamente pelo que ela significa (ou pelo menos, pode significar).
Sabe-se de longa data que quem está muito pálido (neste caso, anêmico) pode ter uma doença de base que justifique a palidez – ou a anemia (embora a maioria das anemias sejam por carência alimentar de ferro).
Aí é que está a questão.
A anemia relacionada a doenças (inflamatórias, câncer e infecções) é um sinal da doença. Dentre outras coisas, serve para chamar a atenção de que se está doente.
A presunção que até recentemente se fazia (e que um excelente artigo do jornal canadense de medicina mostra que estava errada) era de que precisava se tratar a anemia para que os pacientes melhorassem.
Que engano!
Exceto nos casos de anemia grave, com nítido prejuízo da função de oxigenação dos tecidos (e consequentemente de piora clínica) as evidências têm mostrado que provavelmente o melhor seja “deixar quieto”, não tratar (muitos estudos têm mostrado mortalidade maior, além de outros graves riscos de se tratar anemias mais leves, adaptativas à doença).
Isso – de uma certa forma – encontra paralelos nas leves anemias carenciais (por deficiência de ferro) das crianças. Muito ferro, como já dissemos aqui, pode ser pior do que pouca anemia. Mas vá convencer leigos e desinformados em épocas de “quanto mais melhor”!

(Veja você, como de vez em quando aparecem notícias de saúde que dão giros de 180º no conhecimento até então estabelecido: agora parece que os tão desejados baixos níveis de LDL – o colesterol ruim – se relacionam a presença de câncer! Causa ou efeito? Ainda não se tem certeza. O fato é que o fanatismo para se baixar o colesterol – e dê-lhe estatinas, campeãs de vendas – pode e deve estar predispondo a outros problemas! Por isso vale aquele conselho: devagar com o andor, que o santo...)

2 de setembro de 2008

Pane no Sensor

Não faça nada com esta informação (mas leia):
Cientistas australianos descobriram que dietas ricas em carboidratos (açúcares) “matam” neurônios (neste caso, células cerebrais) produtores do hormônio proopiomelanocortina (POMC), responsável pela sensação de saciedade.
Isto significa que pessoas que consomem excesso de carboidrato durante longos períodos tendem a perder a capacidade de se sentirem “satisfeitos” ao final das refeições.
O auge deste dano neuronal seria por volta dos 25 aos 50 anos de idade.
Muito provavelmente por isso (mas não só por isso – a diminuição do nível de atividade física, dentre outros fatores, costuma estar implicada) pessoas a partir de certa idade têm muita dificuldade em se livrar das tais gordurinhas indesejadas.

(Como tudo no organismo, este fato deve ser uma resposta compensatória à tendência de que, quando se envelhece, se tem menos apetite, seja por motivo de doenças ou pela própria sina do senil)

29 de agosto de 2008

É de Pequeno que...

Para dar uma idéia do “pepino” que significa o processo decisório de se investigar a baixa estatura em crianças, um estudo holandês nos dá dois números interessantes:
1) 38%: o percentual de crianças que seriam investigadas com exames laboratoriais para baixa estatura, caso todas as crianças que preenchessem os critérios habituais fossem realmente investigadas.
Gente: seria quase a metade de todas as crianças! (E isso na Holanda, que tem gente grande por natureza!).
Claro que por isso há necessidade do feeling, da percepção do pediatra de que há realmente algo de errado com o crescimento da criança (além, é claro, de uma história e avaliações clínicas muito bem realizadas – lembrando que a altura familiar é decisiva na necessidade de investigação).
2) 5%: o percentual aproximado de reais problemas médicos (problemas hormonais, síndromes genéticas – Turner, principalmente – doença celíaca, problemas renais, etc.) para o baixo crescimento na maioria dos estudos até hoje realizados. Os outros 95% teriam que apenas se conformar: “baixinhos” genéticos!

26 de agosto de 2008

Sermão do Buraco


Se você se acha uma pessoa muito forte, um super-herói, indestrutível (todos nós nos achamos assim de vez em quando, principalmente quando jovens) recomendaria a você uma fascinante viagem de auto-conhecimento.
Para onde? Montanhas do Himalaia? Nepal? Índia? Talvez ao norte da África?
Claro, também serve!
Mas há uma outra viagem, pouco mais barata, que podemos fazer para “baixar nossa bola”, nos mostrar o quanto somos insignificantes:
Um tour endoscópico pelo nosso aparelho digestivo!
Quando nos assistimos por dentro (há duas vias de chegada, por cima ou por baixo), quando vemos a fragilidade do revestimento mucoso de nossos esôfagos, estômagos, duodenos, etc., e o quanto de fragilidade ali existe – a susceptibilidade a sangramentos, rupturas, arranhões, agressões químicas e mecânicas, torsões, a facilidade de aparecimento de tumores, benignos ou não – nos damos conta de que nossa vida não passa de um sopro (embora esse sopro, pela nossa capacidade psicológica de nos enganarmos, de nos esquecermos, capacidade com propriedade chamada de mecanismo de defesa, possa em alguns momentos dar a impressão de ser mais um furacão).
(Pronto! Essa semana te livrei do sermão dominical...)

22 de agosto de 2008

Acordão


Muitas mães fazem um acordo tácito com seus filhos pequenos. A coisa funciona mais ou menos assim:
Pensa a mãe:
-“Este pestinha não come nada, mesmo. Então, como ele não come, já vou fazendo o “mamazinho” pra dar pra ele depois de cada recusa alimentar”.
Pensa o “pestinha” (não sou eu que estou dizendo, foi a mãe dele, tá?):
-“Já sei que eu não preciso comer nada dessas coisas que a minha mãe me oferece: ela já vem com meu “mamazinho” atrás, mesmo!”
E aí, ficam os dois nesta espécie de acordo durante meses ou mesmo anos: a mãe cheia de preocupações porque o filho “não come” (e quase não come, mesmo, pra quê?), e o filho, espertinho, conseguindo deixar a mãe preocupada – que é sinônimo de amor materno na cabecinha dele – além de tudo, com a pancinha muito bem cheia!
-Precisa mudar? Precisar não precisa, mas deve, por vários motivos. Dentre eles, uma percepção por parte da criança de que ela está crescendo (e não “parada” na fase de bebezinho, coisa que certos pais têm relutância em aceitar), a diminuição de problemas dentários pelo uso excessivo de mamadeiras, a prevenção de anemias provocadas por perdas sangüíneas microscópicas que ocorrem em dietas com excesso de leite de vaca, além da possível inibição da absorção intestinal de ferro pelo cálcio, etc.
-Como faço? Seja firme (já viu mãe firme? É como maria-mole dura...), e estabeleça uma cota: por exemplo, duas mamadeiras nas 24 horas. Fora disso, pode se esgoelar. Com o tempo (vamos combinar que tempo não é dois dias, tá?) a criança vai aprendendo que 1) a mãe é quem manda (não sabe como isto é bom pra você!) e 2) se tiver fome, terá que “se virar” com outros alimentos (só não me venha com “papinha de bolacha”, que falta de criatividade!).

19 de agosto de 2008

Sociedade de Consumo


-Então vocês são os novos candidatos a papais?
-Somos.
-Estão vendo alguma criança que interesse?
-Estamos sim, algumas. Mas a gente queria alguma mais assim, ao nosso estilo.
-Sei. Aquela ali agrada?
-Qual? Ui, não! Muito escurinha!
-E aquela outra?
-Muito palidazinha.
-E essa que passou correndo, não é um amor?
-Seria, se não corresse tanto, né?
-E a irmã dela, ali ao lado?
-Não sei, sabe como é, não bateu...
-Tem aquele ruivinho...
-É, mas nós somos loiros, só se puser uma peruca.
-Ah, já ia me esquecendo da Morena, que é como nós a chamamos. Tá ali no canto, ó, um amor de menina: linda, tranqüila, nunca levanta a voz, nem mesmo quando dá topada.
-Ótimo. Ficamos com essa, né amor?
-Que bom! Vou providenciar os documentos.
-Só uma pequena dúvida. Na verdade, é mais um temor...
-O que é?
-Cria vínculo?

12 de agosto de 2008

Ai! Testado...

Existem poucas coisas mais atravancadoras da profissão médica que o tal do atestado.
Quase todas as semanas assistimos ao teatro de pais que acordam indispostos ou com preguiça ou seja lá qual seja o motivo para não comparecer ao trabalho ajeitando seus pequenos cúmplices com as mais variadas queixas – muitas vezes irreais – para, no final da improdutiva consulta, largar o famoso:
“O senhor pode me dar um atestado?”
Isso quando não vem com os apêndices, piores ainda:
“Pra hoje e pra amanhã”, ou “Dá pra dar pra três dias?”.
Claro que temos a obrigação de fornecer declarações para os pais que precisam levar seus filhos aos médicos. Afinal, eles não podem – e não devem – ir sozinhos.
O que incomoda é o abuso. Atendo algumas mães que se somasse o tempo que me pedem de declaração trabalhariam uns cinco dias por mês!
Outro aspecto irritante é a inutilidade de muitas declarações solicitadas (aliada ao implícito perigo jurídico). Coisas como declaração de saúde para atividade física. Tá na lei. Temos que fazer. Mas é uma aberração da maneira que é feita.
Não há nada que garanta ao paciente que, atestado de saúde perfeita na mão – nos moldes em que é feito, não possa cair estatelado numa quadra de futebol ou vôlei. Um evento como este – raro, felizmente, na ordem de 1 para cada 200.000 praticantes/ano – é difícil de prever mesmo com os mais rigorosos testes.
Então pra que serve este tipo de atestado?
Se você pensou: para f... (de ferrar) o médico responsável e “tirar os demais da reta”, está absolutamente certo!
Então quem é mais culpado de uma fatalidade? Um médico que atestou a saúde ou um professor que faz um aluno correr uma maratona na aula de Educação Física?
Agora, o exame mais inútil de todos:
O atestado pra piscina!
Nesse, dá vontade de escrever:
"Atesto que Fulano de Tal, se jogado na piscina, não bóia"!

8 de agosto de 2008

Kay & Ray


Quais os limites da personalidade? Até que ponto nosso ser é influenciado por doenças, transtornos ou “desvios patológicos” da normalidade?
Dois livros modernos – mas já clássicos – abordam o tema, ainda que de forma indireta.
No primeiro, Uma Mente Inquieta, a autora, Kay R. Jamison, uma psiquiatra norte-americana literalmente se coloca no lugar de seus pacientes ao sofrer ela mesma do transtorno bipolar (na forma mais severa, com fases maníacas que a levaram inclusive a tentar o suicídio).
Em determinada parte do livro, Kay relata seu medo de ter a candidatura ao emprego recusada pela patologia, ao que seu chefe respondeu: “Sem nossa equipe de bipolares, acredito que este hospital seria um lugar muito chato de se trabalhar!”.
No outro livro, O Homem Que Confundiu Sua Mulher Com Um Chapéu, pouco mais antigo, o neurologista e escritor Oliver Sacks (famoso pela participação como roteirista e personagem do filme “Tempo de Despertar”) relata a curiosa história do paciente Ray, portador da Síndrome de Tourette desde a infância. Devastadora para seus relacionamentos e vida social (os portadores desta síndrome, dentre outros “descontroles” involuntários, “soltam” palavrões e grunhidos nos momentos mais inapropriados), a síndrome era para este paciente parte da sua personalidade, do seu “self”.
Ao ser tratado (com Haldol, medicação que paralisa movimentos, mas também boa parte das emoções) Ray liberou-se de grande parte dos constrangimentos. Sem movimentos “malucos”, “alienados”, “normal”, enfim.
Porém, assim como Kay ao tomar sua medicação para a bipolaridade - que, ainda assim, a autora insiste que para ela foi questão de vida ou morte – Ray começou a sentir que “algo estava faltando” (termo exatamente igual em ambos os textos). Este “algo” no caso de Ray era sua vivacidade, sua rapidez de raciocínio, sua capacidade de surpreender os outros mesmo quando soltava um “filho da...” impensado (algo que já esperavam dele amigos e familiares).
Patologias, deficiências, diferenças, extravagâncias, aparências. São características que dão cores à nossa personalidade, são nossa história. Moldam nosso comportamento em relação a nós mesmos e aos outros (e vice-versa).
Tratamentos, mudanças, “consertos”, disfarces podem ser desejáveis ou mesmo absolutamente necessários.
Mas... Será realmente bom?
E... a quem cabe essa decisão?

5 de agosto de 2008

João da Silva*


Tosse não é como óleo pro motor do carro, “tudo igual”, a gente cansa de falar (mas ainda fala).
Portanto, para medicar a tosse (se é que ela precisa ser medicada, e muitas vezes não precisa ou não deve) também não há remédios mágicos.
E dentre os remédios usados para medicar a tosse seca, irritativa (o termo “irritativa” aqui se refere à irritação do brônquio, não à irritação do vizinho), ou seja, aquela em que há pouco ou nenhum catarro, um que às vezes pode ser útil é o dextrometorfano.
O dextrometorfano é um sedativo da tosse (e um pouco sedativo da gente, também, por isso precisa ser usado com cuidado). É chamado de ação central, pois inibe o reflexo da tosse direto da fonte, da área do sistema nervoso que dispara a tosse.
Há problemas com este bom remédio:
Deveria ser de uso controlado, pois usado em excesso pode levar ao vício (é seguro, no entanto, para uso de poucos dias). E já foi de venda controlada, mas sabe como são os interesses econômicos...
E aí, curiosamente, quando precisava de receita médica dupla, pais se ... (morriam) de medo de dar.
Agora, capitaneado pela odiosa e poderosa Procter & Gamble, é vendido livremente, sem necessidade nem mesmo de receita. Com que nome? Vick 44-E®.
Outra coisa: sem bula, sem indicação de formulação na embalagem (como se pudesse! Mas no Brasil, pode!).
Um colega blogueiro descobriu a formulação.
Recentemente entrou um concorrente no mercado (que ótimo, podemos deixar de usar qualquer coisa com o nome Vick): Benalet TSC ®(tsc, tsc! Isso mesmo!), com o dobro da concentração.
De novo: é remédio, não é pra toda tosse, deve ser usado por poucos dias, deveria ser orientado por médico, etc.
(obs.: nos Estados Unidos, pela farra no uso por conta própria – usado como droga – recentemente foi proibida a venda sem controle).

* Os Joões da Silva são como tosse: todos com o mesmo nome, mas são entidades diferentes.

1 de agosto de 2008

Cabide


Quando vemos o número de peças de roupa que parentes põem sobre os bebês dá a impressão que cada um deles decide o que colocar e, na dúvida, decidem por... todas!
Esquecem-se ou ignoram um fato sobre o controle térmico dos recém-nascidos ou lactentes: eles possuem – em áreas críticas do “corpitxo” – uma espécie peculiar de tecido adiposo (gorduroso), a gordura marrom, rica em mitocôndrias que oxidam (“queimam”) a gordura para produzir basicamente calor (diferente do tecido adiposo de outras faixas etárias que se prestam muito mais a depósito de energia – aquelas partes do nosso corpo que percebemos mais geladas em dias frios ou após exercícios).
É basicamente o mesmo tipo de gordura corporal dos animais hibernantes, como os ursos.

29 de julho de 2008

Sinusite or not Sinusite?


Um estudo recente publicado na Inglaterra pôs lenha na fogueira da questão: “Precisa ou não precisa tratar a maioria das sinusites”?
A diferença deste estudo para outros é que foi totalmente não-patrocinado por laboratórios farmacêuticos (uma diferença cada vez mais relevante).
E aí, adivinha o resultado?
Pacientes com sinusite “braba”, com dor facial e secreção nasal purulenta (o que excluía a maioria das sinusites mais brandas diagnosticadas por aí) tiveram o mesmo índice estatístico de resolução dos sintomas, tratados com antibióticos e/ou corticóides nasais ou não. E isto em pacientes adultos.
Agora pensa:
Em crianças, o diagnóstico de sinusite já é (ou melhor, deveria ser) uma raridade. Sabendo do fato de que a grande maioria das sinusites não precisa de tratamento para resolução dos sintomas... Bom, o resto você já sabe.
Mais uma:
Adivinha qual foi o maior fator de desistência dos pacientes que participaram desse estudo?
Claro! A exigência dos pacientes para que os médicos os tratassem (com o “pacote completo”: antibióticos, antiinflamatórios, remédios nasais e etc.).

Cruz Crédulos

Shampoos são uma prova freqüente da credulidade dos consumidores (consumidoras, principalmente). Leio num deles: evita o ressecamento, ilumina as mechas, intensifica o brilho e realça os contrastes. Haja química! Fazer chover, ainda não, né?

25 de julho de 2008

Bebê, Sua Mãe Bebeu


Com a maior aceitação social do etilismo entre as mulheres e o estímulo (indução) publicitário para este grupo, talvez vejamos um crescente índice do chamado espectro feto-alcoólico, um conjunto de sinais físicos e transtornos mentais e de comportamento típico de filhos de mães que consumiram álcool durante a gravidez.
Dentre os sinais físicos são característicos a baixa estatura, o lábio superior comprido e fino e os olhos de tamanho reduzido (mesmo com estas características, curiosamente o problema costuma ser pouco identificado pelos profissionais de saúde).
Estudos em animais chegaram a mostrar perda de células cerebrais fetais com o consumo equivalente a uma única latinha de cerveja (veja: durante todo o período gestacional, e não por dia!). Um “porre”, por exemplo, durante a gravidez pode ter conseqüências devastadoras para o filho para toda a vida.
Outra característica é a freqüente negativa das mães quando questionadas sobre a ingestão de bebidas. Já cheguei a ver mães que submeteram seus filhos a múltiplos exames (inclusive genéticos) na tentativa de encobrir o consumo.
É lógico que o estigma social e a culpa costumam estar presentes. Justamente por isso, particularmente penso que as mães devam mesmo evitar assumir abertamente para a maioria das pessoas que consumiram álcool, com a finalidade de adicionar maiores problemas (com familiares ou amigos, por exemplo).

22 de julho de 2008

Ignorance is Bliss*


Certa vez, enquanto sofria com o que pareciam para mim serem sintomas terríveis (com a possibilidade – para um médico, sempre presente - dum diagnóstico sombrio), atendi uma pequena criança que, pelos sintomas dela, devia ter um diagnóstico também sombrio: câncer.
E enquanto me submetia a exames que – pelo menos por ora – excluíam causas mais graves para meu sofrimento, no caso da criança, infelizmente, os temores se confirmaram.
Desígnios do destino à parte, fiquei a pensar nas nossas diferenças – caso o meu diagnóstico também fosse confirmado.
Ela, enquanto criança e totalmente ignorante do seu infortúnio, era incapaz de sofrimentos antecipados.
Teria, assim, como grande diferença para um adulto com a mesma espécie de doença – peculiaridades do comportamento do câncer na faixa etária também à parte – não exatamente as suas preocupações (agulhadas e ambientes hospitalares sóbrios), mas quase que exclusivamente as preocupações dos seus pais e cuidadores, que, em última análise, lhe seriam transmitidas (na forma de olhares, excesso de cuidados, choros, etc.).
Para ela, como se costuma dizer, “a ficha foi caindo” aos poucos, bem devagarzinho – na medida em que, crescendo, foi tendo capacidade de entender suas limitações, as conversas entreouvidas dos adultos, seu tratamento diferenciado em relação a outras crianças. Para mim, teria sido o famoso balde de água gelada, pesado porque com o próprio balde sobre a cabeça.

* Frase famosa do poeta inglês do século 18 Thomas Gray, no verso “Where ignorance is bliss, ‘Tis folly to be wise” (“Onde a ignorância é uma benção, é tolice ser sábio”), versão do popular “O que os olhos não vêem, o coração não sente”.