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31 de janeiro de 2012

Sem Lenço, Sem Documento (Alergia, Alergia)*

Muitas e muitas mães vêm com seus pequenos frutos de poucos meses com sintomas respiratórios como obstrução nasal, coriza ou tosse dizendo:
- Deve ser alergia (disso ou daquilo), né?
Falando em frutos, pense na alergia exatamente como numa fruta: precisa tempo para amadurecer.
Alergia não "nasce" assim duma hora pra outra (ou, mais exatamente, não nasce junto com a criança)!
Para a alergia se desenvolver, é preciso contato com certas substâncias (os chamados alérgenos, como ácaros, fungos e proteínas) essencialmente durante algum tempo. E é esse tempo que falta para que já possamos deduzir a presença de alergia nas histórias das criancinhas pequenas.
Os grandes vilões desses pequenos pimpolhos são na maioria das vezes vírus. Mas via de regra vírus "bobinhos", que não fazem mais do que provocar sintomas chatos que estão sendo atribuídos às "alergias".

* a brincadeira, como você deve ter percebido, é com a música de início de carreira de "mano" Caetano.

27 de janeiro de 2012

Navio que Chega Não Gera Filme

Nos últimos dias, a pergunta que o pediatra anda fazendo para mães apavoradas com tudo que aparece – ou possa aparecer – nos seus queridos filhos é:
- Você faria hoje planos para um cruzeiro marítimo?
A resposta da maioria continua sendo “Sim”, independente da visão do Costa Concordia abandonado, à deriva na costa mediterrânea, ainda bem presente na memória.
Cruzeiro marítimo é questão de gosto. É, como disse o Jabor, uma manifestação careta de novo-riquismo.
Mas não vai ser a notícia de um acidente, nem a lembrança do filme Titanic que vai paralisar as pessoas. O que mais vai continuar pesando nas decisões de se viajar ou não ainda vão ser o bolso e a disposição de ficar enfurnado num prédio-condomínio aquático.
Assim também a lembrança de desfechos fatais nas doenças dos outros não deve nos fazer pensar em correr para o P.A. mais próximo ao mínimo “Atchim”.
Mas é quase inevitável para muita gente: A pneumonia que matou a prima do vizinho. A infecção urinária que só foi descoberta quando já era tarde. A doença neurológica rara daquela criança que apareceu no Ratinho.
Acontecem.
Mas são Costas Concórdias. Dão notícia justamente porque afundam.

Falando nisso:
Vendo o noticiário sobre a polêmica da soberania das ilhas Malvinas, o filho pergunta pro pai, que supostamente sabe tudo:
-Pai, o que que significa “Falklands”?
- Terra dos Falcões, filho. Mas... não espalha, tá?

24 de janeiro de 2012

Porre Medicamentoso

Se você não viu “Amor e Outras Drogas” não perdeu nada.
O filme faz jus ao título (não é um amor de filme!...).
O que nele choca é uma produção hollywoodiana tentar justificar a inclusão no roteiro de quase uma hora de propaganda descarada de uma multinacional de medicamentos.
Assim, sem mais nem menos, tomamos um chá de comercial de Viagras, Zolofts, Zitromaxes, Celebrexes e Lipitores. Tudo isso disfarçado de anti-propaganda (alguns personagens do filme tentam botar defeito nos produtos que o protagonista elogia).
O filme é uma livríssima adaptação do livroHard Sell: The Evolution of a Viagra Salesman”, best-seller (não se sabe muito bem por que) de Jamie Reidy, um ex-representante da Pfizer que conta como fazia cerca de 100.000 dólares anuais trabalhando um dia por semana e “enrolando” a empresa nos outros seis.
Nele, cabe a propaganda (quem se interessa pela vida de um laboratorista leva de presente as informações sobre os produtos da empresa).
Mas num filme com atores badalados (que, por sinal, ficam metade do tempo sem roupa, o que impulsiona vendas) soa como brincadeira de mau gosto. Já não somos obrigados aos merchãs supostamente mais sutis?

20 de janeiro de 2012

Pill-er

Ainda no assunto contracepção, imagine a seguinte cena:
Jovem senhora, mãe de dois pequenos filhos, sentada à mesa com a família. Subitamente, um suspiro - associado à dor forte no tórax. Arroxeia, olha em tom de despedida para todos, e cai fuzilada com a cara sobre o prato de macarronada.

Muito trágico?
Essa é a descrição clássica de um quadro fatal de tromboembolismo pulmonar que, mal explicando, é o resultado do deslocamento súbito de um coágulo das veias profundas para um vaso pulmonar.

Nem sempre é assim tão grave, mas é um problema freqüente nos tempos atuais.
E a gravidade (bem como a freqüência) está relacionada aos fatores de risco cada vez mais comuns na sociedade atual:
 tabagismo
 sedentarismo
 sobrepeso
 uso de pílulas anticoncepcionais
 gravidez

Ou seja, cansamos de ver por aí jovens senhoras se candidatando a dramas familiares enormes, e o que é pior, na maioria das vezes totalmente desavisadas.
(a discussão recente da mídia é, de novo, a maldade da indústria farmacêutica que esconde ou manipula resultados preocupantes com os efeitos colaterais das chamadas pílulas de “nova geração”)

17 de janeiro de 2012

F?... Temos a Solução!

Há pouco assunto que gere tanto debate acalorado quanto a liberação da “pílula do dia seguinte” para adolescentes.
É o assunto do editorial do NEJM (New England Journal of Medicine) da semana passada.
O que está ficando claro tanto para os americanos quanto para o resto do mundo é que não basta dizer: “Olha, moçada, podem transar tranqüilos. Após a diversão, basta tomar essa pilulazinha – gratuita ou não, outro ponto polêmico – que não haverá perigo de uma gravidez indesejada”.
Bom, começa que o termo “gravidez indesejada” para a população que se busca primordialmente atingir gera a pergunta-resposta: “Hein?”, tal o nível sócio-educacional da turma que têm engravidado cedo pelo mundo afora.*
Depois, essa dose mágica de hormônio estrogênico tem efeito muito limitado. Diminui o efeito quanto mais se usa e quanto maior a demora na administração de cada dose.
Além disso – como bem relatou um leitor do jornal em questão na seção “comentários” – para cada 40 mulheres que se utilizem da pílula, haveria uma gravidez a menos (então, metade do risco: 1 gravidez em 20 relações desprotegidas sem o uso da pílula). Vale a pena?
Aparentemente vale, dada a importância duma gravidez indesejada (maternidade compulsória, termo que tem sido utilizado agora).
O grande problema (na minha sempre modesta opinião) é que, ao se facilitar o acesso à “mágica” do dia seguinte, provavelmente estimularemos menos cuidados “ortodoxos” (como o uso diário do anticoncepcional, uso de métodos de barreira ou simplesmente escolha mais criteriosa de parceiros).
Como se vê, (literalmente?) o buraco sempre é mais embaixo...

* O estrondoso sucesso – agora mundial - do “Ai, se eu te pego” mostra bem onde nós estamos com a maioria.

13 de janeiro de 2012

Os Impalpáveis

“Não acredito em nada que eu não possa pegar. Não acredito na Juliana Paes, por exemplo”.

Luis Fernando Veríssimo
(na versão original, Luiza Brunet, um pouco passadinha agora)

Há um crescente paradoxo acontecendo nos últimos tempos no consultório pediátrico, angustiante para os profissionais:
Quanto mais os pais exigem diagnósticos “palpáveis” dos seus filhos (aqueles que se pode provar por exames, quer sejam exames de laboratório ou radiológicos) menos eles existem atualmente, proporcionalmente falando.
Com os progressos em termos de conhecimento sobre saúde, nas condições sanitárias, nas vacinas, no tempo de aleitamento materno, na prevenção de acidentes e na facilidade de acesso a locais de atendimento, as doenças “que se mostram” vão perdendo muito terreno para sintomas de causa preponderantemente emocional, estas últimas difíceis de serem comprovadas.
E aí o fato curioso. Exames se mostram normais, “mas não é possível, deve haver alguma coisa, não seria isso ou não seria aquilo, ouvi falar de uma criança que aparentemente não tinha nada, depois se descobriu que...”
Então: mesmo quando os fatos, conflitos, temores, angústias, abandonos e tudo o mais estão “na cara” há muita resistência na aceitação de algo que envolve mudanças de postura, reconhecimentos, insights, acordos, respeito.
Cadê o remedinho, a “chapa”, a alteração nos números do papel do exame?

Comentários?

10 de janeiro de 2012

O Que Não Mata, Engorda (Os Bolsos)

Duas coisas me enchem a paciência quando se fala de produtos probióticos:

1) Há pelo menos vinte anos se tenta descobrir como tais produtos poderiam funcionar: alterando a expressão genética dos germes intestinais, criando comunicações celulares entre bactérias probióticas e “contrabióticas” (as bactérias “do mal”), deslocando o “espaço” intestinal, etc.
E, enquanto não se descobre como funcionam nem se funcionam, o que faz a indústria que financia estas pesquisas?
Derrama produtos e mais produtos no mercado como se fossem fait accompli!
Pode haver algum outro efeito até esse momento que não seja efeito placebo?
Continuo duvidando, e muito!

2) Temos a maior facilidade de assumir que um iogurte (ou uma bebidinha ou um pozinho ou seja lá o que for) vá ter propriedades milagrosas em nosso organismo enquanto nos entupimos de alimentos de péssima qualidade (que, é bom que se diga, ainda assim são alimentos, e que para a maioria de nós nosso - aí sim, milagroso - organismo vai conseguindo tirar leite das pedras).

6 de janeiro de 2012

Toy Story

Vez ou outra o pediatra, na melhor das intenções, descobre algum brinquedo barato e interessante e o leva para o consultório, na tentativa de minimizar o medo da minúscula clientela.
Ocorre que a escolha às vezes resulta infeliz.
Foi assim com um caminhão-caçamba de madeira que despertava na moçada o instinto de areia (ou de pedregulho ou de fruta) que, quando resolviam montar na parte traseira, ia criança, caçamba e tudo pro chão – numa vez resultando numa leve concussão da mercadoria infantil na parede do consultório.
Bichinhos de borracha. Podem ser inofensivos em alguns consultórios. Não no meu. Em inúmeras situações viraram – e ainda viram – armas numa guerra entre guerreiro-médico e guerreiro-paciente.
A última vítima (essa o próprio brinquedo) foi um mini-Rocky inflável, um João-bobo do tamanho de uma criança de 4 anos em posição de ataque, com luva e tudo.
Foram vários os pacientes (a maioria meninos, não sem exceção) que se sentiram desafiados, engendrando verdadeiras pancadarias mútuas, com arranhões em ambos os contendores.
Até que na semana passada, meu Rocky (como eu já o estava carinhosamente chamando) sofreu seu nocaute final. Apollo (este não é seu verdadeiro nome) veio a uma consulta de revisão. Saudável, muito saudável. Quando enxergou o boneco, transformou-se. Num lutador sanguinário. Deu pancada, cabeçada, chegou mesmo a deitar em cima do Stallone plastificado. E quando eu já estava nos finalmentes com a mãe do menino... Pou! Lá se foi o meu lutador! Duas semanas de vida (que para um boneco inflável já é uma vida), entregue definitivamente à aposentadoria...
Bem que minha mãe me disse pra eu ser dermatologista.
Não ia precisar mais do que um belo vaso e um quadro na parede.

3 de janeiro de 2012

A (Minha) Maior Postagem do (Meu) Mundo

Ele mexeu na maçaneta. A intenção era só checar a maçaneta, mas como a porta cedeu, foi entrando.
Penumbra. E, apesar da penumbra, percebeu que a sala era um quadrilátero perfeito, sem janela, iluminado fracamente por não se sabe onde, iluminação muito parecida com as salas de interrogatório vistas nos filmes de prisão. Apenas que sem ninguém. Nem ao menos um microfone no centro.
E como se fosse mesmo um interrogatório, sentiu vontade de falar (ainda que num interrogatório não se fale por vontade, fala-se por pressão).
No início meio timidamente, como costuma acontecer e, aos poucos encorpando a voz, tornando-se mais corajoso, a confissão foi saindo, mais fácil do que ele próprio esperava. Confissão pra quem? Com que finalidade?
Realmente importava? Por saber que a resposta era negativa, soltou o verbo:
“Eu sabia que isso ia acontecer um dia. Só não imaginei que tão de repente. Estava na cara: há mais pessoas querendo se expressar do que gente querendo ouvir. Afinal, não essa é a história do ser humano? O que faltava era palco”.
“Agora, não. Os palcos estão todos aí, escancarados. Graças a trabalhos incansáveis de Gates, Jobs, Zuckerbergs. Finalmente, após séculos – só vou até séculos, pois não sei o que se passava antes – a humanidade pode dizer o que pensa”.
“E não só isso, pois se dizer o que se pensa não é privilégio dessa faixa da história (dos poucos séculos que sei), sempre houve muitos corajosos que ousaram levantar a voz, gritar, esbravejar, reclamar direitos. A diferença agora é jogar para cima no universo informático e ver as cinzas se espalharem rapidamente. (Ou não. Mais fácil é vê-las caindo ao alcance dos pés). Não é, no entanto, o que importa”.
“O que importa é a percepção. A sensação libertária de que cada erre, cada ele, cada a, cada ipsilone podem, caídos nos lugares certos, encaixados, remover montanhas ideológicas, acordar um japonês de olhos fechados no outro lado do mundo para as bobagens que lá aprontam ou, mais facilmente, convocar dois amigos para um jantar lá em casa. De novo, o efeito é o que menos importa”.
Nisso, ouviu o ruído do que parecia ser a movimentação de uma cadeira. Perguntou:
“Oi! Tem alguém aí?”.
Se tinha, era sério. Talvez houvesse mesmo alguém lhe escutando. E a cadeira, o que era? Aproximavam-se dele? Não pôde deixar de imaginar que a cadeira se mexia porque o ouvinte acabava de cair definitivamente no mais profundo sono. Talvez babasse.
“Alôo!”.
Que alôo mais bobo, esse! Então não deixava claro ao seu confidente sua tremenda carência? E era justamente disso que falava!
Sentiu-se subitamente encenando uma peça facebookiana, bloguiana, onde o protagonista expõe-se da maneira mais franca, inocente, ridícula até, para a fria análise da outra parte, a parte de lá, a parte que analisa, que ri, que zomba, que acha graça ou dorme. E baba. Ou que clica.
“Pum!”
Fim. Outra página, que não há tempo. Há mais e mais pessoas se expressando, falando besteira, chorando, mostrando fotos – algumas que irão rapidamente gerar arrependimento ao fotografado. De novo, não importa. Importa a essência, a imperfeição do ser humano, logo reconhecida por uns, mas entregue a muito custo por tantos outros. Todos se vendo. Mais a si nos outros do que eles mesmos pelos outros.
Era o que faltava. Salas escuras. Quadriláteros na penumbra para confissões que quase inevitavelmente iniciam-se tímidas, vacilantes, mas que vão pouco a pouco se soltando. Manicômios cibernéticos (“não estamos mesmo quase todos em maior ou menor grau loucos?”), controlados, para o benefício de toda a humanidade.
“Ei! Há alguém aí?”, foi sua última tentativa.
Clic.