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28 de novembro de 2017

Segmentos


Ceveja a questão da busca do próprio paciente pelo especialista como funciona:
Tempos atrás a mãe de um paciente tossiu (e tossiu "meio feio") durante uma consulta do filho.
E disse:
"Essa sinusite minha, não melhora nunca!"
Olhei meio assim pra ela e perguntei:
"Sinusite? Essa sua tosse é por causa de uma sinusite?"
"É" respondeu ela, "Já tomei vários antibióticos e não muda nada!".
Não era consulta dela, mas disse:
"Olha, pelo padrão de tosse que você tem, está claro pra mim que isso que você tem não é uma sinusite."
Ela me olha (também meio assim):
"Ah, não? É o que, então?"
"Asma! Só pelo padrão de tosse. Você é fumante?"
"Não!"
"Ainda assim. Essa sua tosse soa como se raspasse seu brônquio. Pelo menos tente uma medicação própria pra isso, inalada"
Dois dias (e muitos antibióticos e raios X depois) mandou um zap. Aliviada, finalmente.

Que especialidade ela consultava? Um otorrino. Alguém que algumas vezes ignora o que acontece da laringe pra baixo.

24 de novembro de 2017

Garotos Propaganda


Eu meio que concordo com a afirmação do autor do trabalho sobre o qual o New York Times fez um artigo:
"Não deveríamos consultar um médico que recebe representantes de laboratórios farmacêuticos!".
A relação de boa parte dos médicos com laboratórios é escandalosamente anti-ética, principalmente nas especialidades lucrativas para os últimos.
Aprendi a conviver com representantes na faculdade, assim como aprendi a ter uma relação muito prudente com eles (pois não é certamente uma relação desinteressada das partes), aí já não sei com quem exatamente. Mas é um motivo basicamente ético.
Ainda os recebo no consultório. Não de boa vontade. Não porque goste. Certamente não porque receba algum grande benefício disso (exceto uma ou outra amostra que no mais das vezes morre no fundo do armário, me criando problemas para o posterior descarte seguro - amostras essas que podem gerar uma má impressão nos pacientes por acharem que estou realmente beneficiando uma ou outra marca, o que não é absolutamente o caso, mas seguramente é o caso de muitos). 
Os recebo porque sei que são pessoas que dependem desse emprego, e "ralam". Só. É quase um motivo, digamos, humanitário. Péssimo, mas é. 

21 de novembro de 2017

A Causa


Não é que a ciência esteja se debatendo pra achar A CAUSA da diabete tipo 2.
A questão é que onde se remexe, se acham mais causas.
A diabete tipo 2 tem muito a ver com o estilo de vida. Mas tem que muita "gente boa" que se descuida e não desenvolve a doença. Assim como tem muita gente (também boa) que mesmo se cuidando muito, a desenvolve.
Aí entram os fatores genéticos. Que não são simples. Nem únicos. 
São vários. Os chamados polimorfismos são áreas do código genético alterados que na maioria dos casos não causam nada, mas que em algumas regiões dos genes predispõem à diabete (assim como à outras doenças, como o câncer).
Seria muito mais fácil se fosse unifatorial (um só "defeito"). Talvez até para a busca de uma cura genética. Mas o que a gente tem que lembrar é que heranças precisam se combinar com estilo de vida para se mostrarem, na maioria das vezes.

Então, com herança ou não, não custa pensar em porções menores de comida, em incluir um "remelexo" diário como investimento em saúde, em cuidar do que mais se põe pra dentro do corpinho, como medicamentos e álcool.

17 de novembro de 2017

O Tamanho dos Pais


Conta-se na riquíssima biografia de Winston Churchill que:
Se sentindo desprezado pelo pai (em parte porque já era havia algum tempo afetado pela neurossífilis, uma doença na época sem a menor possibilidade de tratamento), Churchill sempre fez de tudo para conseguir elogios da parte dele, sem resultado.
Anos após o pai ter falecido, e já tendo uma história de vida riquíssima, o filho disse ter tido uma "visita", uma espécie de visão. Nela seu pai perguntava:
"Filho, conte-me o que eu perdi da história do mundo nesse tempo todo desde a minha morte".
Churchill então contou sobre as duas guerras mundiais, sobre o declínio do império britânico, das derrotas sofridas nas colônias e tudo mais.
O pai-visão, já no seu habitual tom crítico em relação à ele, perguntou:
"E você, meu filho, não teve participação nenhuma em nada disso?"
No momento em que Churchill, um dos homens mais influentes na história do século XX, ia responder... Puft! A visão foi-se embora, para nunca mais voltar.
Triste. Muito triste. 
O próprio Churchill aliás disse outra das frases célebres que nos faz pensar:

"Só quem passou por uma infância turbulenta será alguém de grande notoriedade".

14 de novembro de 2017

Clones


Já é muito conhecido atualmente o efeito deletério para a saúde das substâncias criadas pela indústria química agrupadas sob o nome de perturbadores endócrinos (PE).
Elas são várias. E muitas delas têm como característica interferir diretamente no funcionamento da glândula tireóide, afetando inclusive o desenvolvimento cerebral de fetos pela contaminação do sangue materno.
A maneira pela qual isso acontece em muitos casos é o "engano" dos órgãos que interpretam uma molécula muito semelhante ao hormônio da tireóide como sendo o próprio hormônio (veja como, por exemplo, os bisfenóis são molecularmente semelhantes ao hormônio tireoidiano, mesmo para o leigo em endocrinologia ou em bioquímica). 
A principal consequência nesse caso é a redução da produção do hormônio verdadeiro, causando diminuição do QI dos afetados (o hormônio da tireóide é fundamental no desenvolvimento cerebral, notadamente no início da vida).

Existem muitos outros efeitos imputados aos PE, inclusive alguns tipos de câncer. E é somente pela vigilância da sociedade que indústrias buscarão opções menos danosas à saúde de todos.

10 de novembro de 2017

Alhos, Bugalhos


A salada informativa na qual estamos nos metendo na última década assusta.
Por isso, o melhor que você tem a fazer agora é fechar essa página, desligar esse tablet e, sei lá, ir ver uma novela (desde que ela não contenha muita informação, pois até as novelas resolveram informar ultimamente).
Algum tempo atrás, quando se perguntava a um paciente o que ele sabia sobre sua história médica, era algo como um gibi, resumido.
Hoje, ele te entrega um "Os Miseráveis", se você quiser algo bem resumidinho.
O pior: esse livro troca personagens, confunde o pai de um com a sogra de outro, mata três vezes o personagem que ainda está vivo, e conclui que... não sabe mais de nada!
Estamos quase precisando (e aí vai uma sugestão, podem me colocar como o "pai" dessa profissão, Wiki!) de um profissional burocrata "desembaralhador de história médica", alguém que limpe o que não presta, verifique as veracidades dos diagnósticos dados, resuma o mais importante, traga luz aos fatos principais. Se possível numa única folha. E por favor! Paguem bem, porque é algo sofrido...

7 de novembro de 2017

Série B


Há mais ou menos uma década escrevi aqui que a vacina da meningite B ainda iria demorar a aparecer.
Demorou.
E agora esta aí.
Ao preço de uma TV HD 4K por cabecinha.
Claro que seu filho vale muito mais que uma TV HD 4K. 
Acontece que a TV HD 4K você instala na sua sala e aproveita as maravilhas que a tecnologia digital podem oferecer, diariamente.
Quanto à vacina da meningite B... Bem...
Como mostra excelente artigo deste ano, os riscos do seu filho pegar uma meningite B é muito menor do que, por exemplo, morrer de um acidente com a sua bicicleta.
É uma doença gravíssima, ainda que tratável quando diagnosticada a tempo e muito, muito rara.
E aí é que está a questão:
Doenças mais raras para as quais possam existir vacinas caras criam um dilema para pais e médicos igualmente. Não se deve fazer e pronto? Mas, vai que... Por outro lado, arrebentar com o orçamento familiar contra coisas que poderiam ser bem mais úteis (tá bom! uma TV HD 4K pode não ser a coisa mais útil do mundo, e talvez a comparação choque, mas é apenas para efeito de ilustração) tem sido uma maldade que a publicidade farmacêutica não hesita em fazer (com a história do "como você se sentiria se seu filho adquirisse uma doença grave que você poderia evitar?" Aí não vale, é muita forçação!).
O duro é que sobra pra nós, pediatras, argumentar sobre tudo isso. Com o enorme risco de passarmos por insensíveis.

Alguém viu meu controle remoto por aí?

3 de novembro de 2017

Cinzas


O assunto é sério, mas às vezes não resisto em perder um pouco da razão.
Conselho Federal de Medicina revê índices de massa corpórea para a chamada cirurgia bariátrica. 

(para ser cantado com qualquer ritmo baiano):

Vai abrindo a cinturinha 
Vai entrando na faquinha 

Alô, alô, cirurgião
Chama lá o anestesista
Viver sem pastel e pão
Não há gordo que resista

Hipertenso, barriguinha
Diabete e bundudinha
Vamos todos para a mesa
Não esquece a sobremesa

Veja a nova solução 
Saca só meu intestino
Deixa lá meu coração
Ele ainda é de menino

Vamos todos para a mesa
Para a mesa, cirurgia 
Venha cá cirurgião
Era isso que eu queria!

...

E por aí vai. É esse mais ou menos o clima (carnavalesco) que vamos vendo com tentativas de solução (?) do problema dos obesos, sejam eles verdadeiramente mórbidos - para os quais pode haver mesmo pouca solução - ou para os "gordos da balada", os "gordos da preguiça", os "gordos do Ai, dieta?" e outros (muitas vezes não tão gordos assim). 

Resolve na faca. Até se perceber que aí, mutilado, a festa verdadeiramente acabou. Sem volta. E ainda gordo (nem sempre). E ainda sem força de vontade. E ainda amando uma lasanha, mas já sem poder comer. Qual a próxima "solução"?